OPINIÃO
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Canto do Otaku
Rodrigo Matos
Anime
40
A rapariga surda e o rapaz que se queria redimir
Há histórias que passam por nós sem grande impacto, deixando-nos apenas o divertimento do momento. Há histórias que são de extrema qualidade e que colocamos no topo das nossas preferências depois de as vermos. E depois, há aquelas histórias que nos marcam, quer seja pelas suas personagens ou pelo enredo brilhante que elas apresentam. Hoje trago-vos uma dessas histórias. Falo-vos de “Koe no Katachi”.
Às vezes é complicado encontrar aquele anime que nos fale de problemas reais. Sabem, daqueles problemas que existem à volta do mundo, mas que são pouco retratados em histórias de ficção. E o facto de “Koe no Katachi” (em inglês, “A Silent Voice”) tratar de assuntos como estes despertou-me o interesse para o ver. Admito, superou (e muito) as minhas expectativas. De facto, a pré-nomeação para o óscar de filme de melhor animação de 2018 não foi descabida.
O enredo começa quando a jovem rapariga Shouko Nishimiya se transfere para uma nova escola primária. No entanto, Nishimiya tem uma particularidade diferente da maioria das raparigas da sua idade: é surda e é apenas possível comunicar com ela através do seu caderno ou de linguagem gestual. É aqui que aparece o nosso protagonista, Shouya Ishida, que em conjunto com o seu grupo de amigos começa a persegui-la e Nishimiya torna-se alvo de bullying por ser considerada “anormal”. Mas quando a sua mãe se apercebe do que se está a passar, Nishimiya volta a ser transferida de escola e todas as culpas do bullying que sofreu recaem sobre Ishida, passando a ser ele a vítima do bullying e da descriminação.
Alguns anos depois, já no ensino secundário, Ishida procura por Nishimiya, numa tentativa de se redimir dos erros do passado dos quais se arrepende. Koe no Katachi é um conto de fadas que nos leva aos mais ínfimos problemas da sociedade, desde o bullying até à surdez, numa história encantadora de procura de redenção.
Mesmo parecendo simples, Koe no Katachi aborda assuntos bastante complexos, que me deixaram a pensar durante todo o filme. A história está construída de forma brilhante, quase poética, e fez-me sentir como se estivesse perante uma “história real”, com personagens “de carne e osso”.
Ishida foi aquela personagem que me irritou no início, pela sua crueldade para com Nishimiya. No entanto, à medida que o filme vai se desenrolando, é possível perceber que o rapaz vai evoluindo, percebendo com os seus erros e tornando-se num adulto respeitável (embora nunca perfeito, como é óbvio). Já a nossa divertida Nishimiya é uma personagem à qual rapidamente me afeiçoei pela sua forte personalidade e força de espírito, apesar de todas as dificuldades que encontrou. A maioria das restantes personagens são também bastante bem trabalhadas (salvo raras excepções), como é o caso de Yuzuru ou Ueno.
A boa animação e banda sonora lindíssima ajudam a espalhar o encanto da história e contribuem para aquele que é, na minha opinião, um dos melhores filmes de animação japonesa já feitos.
Koe no Katachi foi uma experiência extremamente positiva que aconselho a todos, mesmo a quem não seja fã de animação oriental, pela sua história maravilhosa e extremamente realista que vai deixar qualquer um encantado. Mais importante que tudo isso, este filme fala-nos de problemas do dia-a-dia que podem estar a acontecer mesmo à nossa frente e deixa-nos uma importante mensagem: não importa o que aconteça, a busca pela redenção é sempre possível para quem realmente a procurar.