Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia | Page 51

Combinamos, ele seguraria ela enquanto eu segurava a cadeira, nesse momento para minha surpresa, ela pediu para a gente esperar, enquanto ela se arrumava e se certificava de que quando ela levantasse o cobertor que cobria seu corpo da cintura para baixo, não iria cair. Ah, que linda foi essa cena! Aquela mulher mesmo com um corpo que para muitos poderia causar repulsa pelas marcas e amputações, era dona de um cuidado, mas não o cuidado que estamos acostumados a ver, mas sim uma forma de cuidado único e tão singular!

E a troca aconteceu, ela passou à cadeira, e depois eu perguntei como ela gostaria que organizasse as sacolas na cadeira “nova”, e mais uma vez me peguei surpresa, percebi, que aquele amontoado de sacolas que ela carregava pendurada tinha uma ordem, ou uma razão, então ela foi me dizendo qual sacola ficava embaixo, em cima e assim por diante.

Desse dia em diante, Rosa passou a me tratar bem, quando eu a atendia, ela me contava como era a rotina na rua, e como as pessoas acordavam cedo para comprar pão na padaria ao lado, nos dias frios, me dizia como a maioria das pessoas que passavam por ela estavam se vestindo.

Um dia ela me disse que estava sentindo um incômodo no pé, mas não queria ir ao médico, por acreditar que o incômodo pudesse ser aliviado por uma manicure, que iria passar creme e pintar as poucas unhas que ela tinha no único pé.

Nessa mesma semana tivemos uma parada técnica com todos da instituição, gerente, psicólogas, assistentes sociais e orientadores socioeducativos do serviço, um dos assuntos pautados foi a situação da Rosa. Uma das psicólogas expressou a opinião de que a situação da Rosa era motivo de intervenção, que ela já não tinha capacidade para escolher o que é melhor para ela, outra pessoa com formação em psicologia concordou, uma orientadora disse que uma pessoa que diz ser a Beth Carvalho, não tem condições de responder por si, e assim por diante.

Nesse momento, eu disse que seria uma violência com a Rosa tirar ela da rua a força, ao que outra psicóloga concordou comigo, e o gerente disse que era difícil dizer o que é melhor para cada um, mas não é porque a pessoa se organiza de forma diferente, que ela é incapaz de escolher. Porém nesse caso a instituição tinha que seguir o protocolo, o caso da Rosa já estava no Ministério da Saúde e que viria um psiquiatra avaliar a mesma.

PATHOS / V. 01, n.01, 2015 50