Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia | Page 43

iMagazine / April, 2013 9

Olhar para as formas como o preconceito se forma e circula entre os próprios participantes tem contribuído para o entendimento sobre as formas como a discriminação atua em nós, e tem sido possível discutir quanto da “falta de adesão” de que se queixam tem mais a ver com suas formas de entender o consumo de drogas do que com a dependência ou alguma manifestação relacionada ao consumo de drogas que esteja na pessoa atendida. O estudo sobre o conceitos de necessidades de saúde (Campos, 2013) contribui na reorientação das práticas e desmistificação do consumo de drogas como determinantes do sofrimento, ampliando as possibilidades de olhar para as redes locais e as relações das pessoas com as substâncias, o bairro e também com as instituições e seus trabalhadores.

Alguns trabalhadores reviram alguns equívocos conceituais que carregavam, como o de RD – se antes “não concordavam com a abordagem” por entenderem que “ela não trata o paciente”, puderam aprender que a proposta é mais ampla que uma proposta de tratamento e corresponde a muitas práticas que eles já executam, por exemplo, na atenção básica com pessoas em acompanhamento por diabetes. Dessa forma, os trabalhadores da atenção básica assumiram um discurso afinado com as diretrizes da RD, reconhecendo potências e ampliando as possibilidades de aplicação do conceito contribuiu para melhorar o diálogo com outros serviços da rede, como os CAPS AD, por exemplo.

Entender, com a lei 10216/018 , que há contradições no fato de serviços da reforma psiquiátrica (CAPS) serem constrangidos pela justiça a centralizarem processos de internação como principal resposta de saúde a consumidores de drogas fortalece alguns trabalhadores a questionarem algumas das medidas judiciais de exigência de internação, com argumentação técnica sobre o caso e a oferta da possibilidade de respostas comunitárias – assumindo uma postura técnico-política em seu trabalho.

Técnica e política

Convivem no Brasil duas políticas oficiais sobre drogas, fundamentadas em paradigmas divergentes. A Política Sobre Drogas da SENAD (Ministério da Justiça) (Brasil, 2005) apresenta elementos do paradigma da "Guerra às Drogas", cujo principal mote é alcançar o ideal de um mundo sem drogas; enquanto a Política do Ministério da Saúde Para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas (Brasil, 2003) fundamenta-se no paradigma da Redução de Danos, cuja principal premissa é a de que as drogas fazem parte da história da humanidade, sendo necessário que aprendamos a conviver com o consumo delas. Não é possível, na atual conjuntura, que se afirme realizar um trabalho estritamente técnico: as práticas são políticas na medida em que assumem um ou outro paradigma para orientar as finalidades do trabalho.

Ao longo dos processos formativos descritos, a indissociabilidade entre técnica e política na atenção a consumidores de drogas fica cada vez mais clara. Os trabalhadores que se relacionam diretamente com a população atendida são executores de políticas estatais (mesmo em serviços privados, a legislação vigente e deve ser observada e determina práticas). Se, a princípio, grande parte dos participantes se colocam como neutros em relação a práticas políticas, ou apresentam suas práticas como estritamente técnicas, o processo de ensino-aprendizagem que parte da reflexão crítica sobre a realidade para apropriar seus agentes do arcabouço de conhecimentos produzidos socialmente sobre essa mesma realidade com a finalidade de transformá-la, os faz rever esse discurso.

PATHOS / V. 01, n.01, 2015 42