Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia | Page 33

iMagazine / April, 2013 9

No decurso dos acontecimentos, de repente, quando eu menos esperava, algum adolescente era convidado a fazer parte do grêmio da escola. Convite de participação, junto comigo, de reuniões que a priori não estaria dentro do politicamente correto da escola. Campeonato foi realizado entre os alunos, no abrigo. Alguns adolescentes passaram a ser convidados para festas de aniversário de colegas de escola, e por vezes a mãe do colega ia buscar e levar o adolescente no abrigo, responsabilizando-se por ele. Até mesmo alguns professores, quando havia algum evento na escola, e por conta do horário noturno, não poderiam ir, porque não haveria quem pudesse buscá-los, terminavam por se prontificar a devolvê-los no abrigo.

O que vimos até aqui, em relação à comunidade, foi bem diferente do que estamos acostumados a ver em relação a participação desta nos abrigos, que em sua maioria é voltada para ações de voluntários, envolvendo doações. Justificamos esta fala, historicamente. Quando falamos de abrigo encontramos registros que denunciam esta prática pela comunidade, normalmente com fins de caridade. Ainda hoje muitos abrigos administrados por instituições religiosas ou não, acabam, sejam por princípios ou mesmo pela necessidade financeira, privilegiando tais tipos de ações, bem diferente do que foi proposto por nós neste trabalho. Não queremos dizer com isto que doações com cunho apenas caritativo não sejam necessárias. Uma parcela significativa de abrigos somente conseguem sobreviver graças à caridade, seja de que espécie for, pois nem sempre podem contar com a ajuda dos órgãos governamentais responsáveis por este setor social, para dar conta e suprir tanta dificuldade para se manter. O que queremos demonstrar é que quando o abrigo promoveu estas ações, além de iniciar um processo de ampliação da rede de apoio e proteção, estava demonstrando que a instituição podia ser mais do que assistencialista e a comunidade ser muito mais do que caritativa. Perceber que doações, sim, são necessárias, mas que podemos ser também participativos, implicando-nos neste problema que é social, contribuindo e favorecendo esta rede de apoio e proteção.

Com este trabalho, promovemos o rompimento de uma relação até então conflituosa com a escola, para uma verdadeiramente interativa, colaborativa, dando sentido e significado para esses adolescentes frequentarem a escola a partir da influência positiva dos vínculos afetivos que haviam desabrochado entre os adolescentes e ela, especialmente na figura de seus professores. Este encontro institucional, fez com que ambas as instituições pudessem ser vistas como ambiente em potencial para o desenvolvimento da criança e adolescente.

PATHOS / V. 01, n.01, 2015 32

"Foi uma ocasião até então inédita, a comunidade adentrando os muros do abrigo pela primeira vez [...]"