Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia Volume Especial COVID-19 | Page 78

Freud (1900/1996) refere e nomeia, ao longo de sua obra sobre a interpretação dos sonhos, o surgimento de sonhos aflitivos e de angústia. Aponta que não há dúvida que o conteúdo manifesto de certos sonhos é de natureza extremamente aflitiva e aterrorizante. Destaca que o poder de interpretar os conteúdos latentes através dos manifestos, trariam ao sujeito uma possibilidade maior de se aproximar de seus próprios desejos e um apaziguamento de seus conteúdos oníricos, sendo a interpretação dos sonhos o caminho terapêutico. Sendo assim, saber o porquê se sonha com tais conteúdos, diminuiriam o poder aterrorizante manifesto, uma vez que o real sentido do latente estaria mais próximo da consciência do sujeito.

Vejamos o trecho a seguir do sonho de um dos participantes:

Sonhei que estava em um lugar estranho com muitas pessoas estranhas numa sala de espera, mas muito bagunçada, com muitas coisas acumuladas, fáceis de acumularem sujeira e pó...não me sentia bem...depois as pessoas tomavam vinho, serviram vinho... aí percebi que não era uma sala de espera de médico, mas para a inauguração ou apresentação de um local de trabalho ou clínica. Eu fiquei preocupada...comecei a querer ajudar a servir as pessoas e retirei as taças para lavar quando terminaram de beber. Uns mocinhos que estavam conversando quando viram minha preocupação começaram a retirar também, ajudando-me... A sensação era de estranhamento e depois chegou um homem muito estranho, gordo, falante demais, que disseram que era meu amigo e eu não o reconhecia, ele me puxou para o colo dele, eu acordei assustada com o som da risada dele (sic).

Podemos perceber que o inconsciente do(a) participante remonta um cenário de sala de espera, onde o sujeito aguarda por algo. Um local, a princípio, estranho, desconhecido e com pessoas estranhas e desconhecidas. Parece, que de alguma forma, o sujeito encontra-se em um local negado de seu próprio mundo interno. Coisas acumuladas, sujas e juntando poeira denotam certo abandono e ofertam ao sujeito inicialmente incomodo e estranheza.

Após um período, na sequência do sonho, outros conteúdos começam a aparecer e dessa vez não mais em espera, mas sim com ação e movimento, como por exemplo, o servir e tomar vinho descrito pelo participante. O cenário muda de figura e o sujeito do sonho passa a se colocar em movimento, mas ainda assim com uma espécie de sentimento de dívida, como se precisasse fazer algo, nesse caso, como relatado, sente-se mal e com a necessidade de retirar as taças e auxiliar na lavagem das mesmas. Nos questionamos: O que precisa ser limpo e lavado? O que precisa ser feito? Que sentimento de dever seria esse?

Σ

PATHOS / V. Especial , Set. 2020 77