Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia Volume Especial COVID-19 | Page 76

Parte de vocês diriam que não sonhar ou se esquecer dos sonhos seria algo cotidiano e pertencente ao universo humano. Contudo, entendemos que, uma vez a subjetividade sendo atualmente convidada e convocada a se retirar de cena ou a se isolar, não seria estranho que os conteúdos mais íntimos e verdadeiros não encontrassem muito espaço para se manifestar, nem mesmo por meio do movimento onírico. A atuação de defesas psíquicas poderia aumentar em nosso cotidiano, uma vez que teríamos, em razão de uma sobrevivência física, ética, cultural e social, ter que abrir mão de nossos próprios desejos em razão de um bem-estar social maior.

Segundo Freud (1900/1996), existem diversos motivos relacionados ao esquecimento do conteúdo dos sonhos. O autor aponta que é natural, com certa frequência, esquecermos de nossos conteúdos oníricos. Freud traz também que alguns conteúdos necessitariam ser mantidos no inconsciente, ao que outros, a princípio, mais banais, poderiam livremente de censura, emergir para a consciência. Vale a pena ressaltar que, para o mesmo autor, os sonhos seriam manifestações de nossos desejos, desejos esses, por vezes, impossíveis de serem alcançados ou mesmo autorizados.

Com isso, uma vez o conteúdo de nossos desejos tornando-se reprimidos e/ou recalcados, o caminho tomado como possibilidade de deslocamento de energia psíquica poderia estar associado ao movimento interno denominado sublimação. Segundo Freud (1930/1996) tal ação psíquica levaríamos ao gesto criativo de resignificar e designar a libido para determinadas funções deslocadas:

Outra técnica para afastar o sofrimento reside no emprego dos deslocamentos de libido que nosso aparelho mental possibilita e através dos quais sua função ganha tanta flexibilidade. A tarefa aqui consiste em reorientar os objetivos instintivos de maneira que eludam a frustração do mundo externo. Para isso ela conta com a assistência da sublimação dos instintos. Obtém-se o máximo quando se consegue intensificar suficientemente a produção de prazer a partir das fontes do trabalho psíquico e intelectual. Quando isso acontece, o destino pouco pode fazer contra nós. Uma satisfação desse tipo, como, por exemplo, a alegria do artista em criar, em dar corpo as suas fantasias, ou a do cientista em solucionar problemas ou descobrir verdades, possui uma qualidade especial que, sem dúvida, um dia poderemos caracterizar em termos metapsicológicos (...) E mesmo para os poucos que os possuem, o método não proporciona uma proteção completa contra o sofrimento. Não cria uma armadura impenetrável contra as investidas do destino e habitualmente falha quando a fonte do sofrimento é o próprio corpo da pessoa. (p. 87)

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PATHOS / V. Especial , Set. 2020 75