Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia Volume Especial COVID-19 | Page 53

Dessa forma, a criança seria assistida em suas angústias pelo ambiente no qual está inserida, sentindo-se segura e confiante, certa de que seus impulsos agressivos externalizados não retornariam para o seu mundo interno de forma destrutiva e avassaladora, pois dessa vez estaria acolhida e acompanhada em suas angústias, medos e incertezas.

A alienação ou a ausência de informação, pode gerar fantasias persecutórias, catastróficas e aniquiladoras. Entendemos que as crianças devem ser participadas da realidade vivida, respeitando obviamente sua condição e maturidade para entendimento do que ocorre ao seu redor. Por vezes, sentimos que ainda vivemos momentos em que tal universo infantil é desvalorizado acerca de sua capacidade de absorção do ambiente. Já ouvimos, inúmeras vezes, que as crianças são como esponjas, aptas e prontas para absorver o que está ao seu redor. Por que na situação atual de pandemia seria diferente?

Devemos considerá-las como seres humanos capazes de perceber e sentir a realidade, contudo o que propormos refletir aqui não é exatamente o que as crianças absorvem, mas como podemos facilitar as relações e elaborações que elas realizam mediante a tais dados de realidade.

Concluímos, por fim, que a realidade de nossas crianças está, nesse momento, marcada por privações relevantes, em especial a liberdade. Cabe a nós, adultos, manter suas esperanças vivas e acesas a partir de dados concretos e, por que não, fantasiosos. Contudo, não devemos mentir para nossas crianças, embora reconheçamos que isso seja quase que inevitável. De qualquer, forma nosso convite ético é para que, mesmo em uma situação de pandemia, nossas crianças possam ser crianças e que consigam criar aquilo que for necessário para sua sobrevivência, seja ela concreta ou subjetiva.

Ninguém é independente do meio, e existem condições ambientais que destroem o sentimento de liberdade, mesmo naqueles que poderiam gozá-lo. Uma ameaça prolongada poderia minar a saúde mental de qualquer pessoa e, como eu tentei enunciar, a essência da crueldade é destruir no individuo aquele grau de esperança que faz algum sentido a partir do impulso criativo e do viver e pensar criativos (WINNICOTT, 1999b, p 242).

Σ

PATHOS / V.. Especial , Set. 2020 52