Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia Volume Especial COVID-19 | Page 30

Como podemos ver no discurso, essas crianças brincam de cientistas, e viajam no tempo, indo e voltando entre o passado, o presente e o futuro. A magia de caminhar dentro do universo do Deus Cronos, demonstra a tentativa de controlar o até então incontrolável, ou seja, “poderíamos dizer que a capacidade de desenvolver fantasias ultrapassando o presente é a nova aquisição que torna suportáveis as frustrações experimentais da realidade” (BETTELHEIM, 1980, p. 156). Mesmo sendo reconhecida a habilidade em manobrar o tempo simbólico, evidenciamos que angústias obsessivas se tornam presentes em parte dos relatos das crianças, chamando para si responsabilidades relevantes que geralmente são menos comuns ao universo infantil.

Por outro lado, podemos pensar que uma responsabilidade ética surge no imaginário dessas crianças, mediante a preocupação com o meio em que se vive, na tentativa de consertar possíveis erros cometidos pelo ser humano. Percebemos também que tais crianças parecem dialogar e abarcar um movimento saudável de mistura entre agressividade e reparação, assumindo certa responsabilidade pelos fatos, o que na psicanálise inglesa chamaríamos de estágio de concernimento. A partir do pensamento desenvolvimental winnicottiano, Dias (2003) aponta:

A resolução desta crucial dificuldade que consiste em aceitar que a destrutividade é pessoal e convive com o amor, depende do desenvolvimento da criança, da capacidade de fazer reparações, ou remendos. A criança tem a necessidade premente de saber que o estrago pode ser consertado e reparado, que o buraco pode ser remendado, que mesmo as ideias ou ações destrutivas podem ser equilibradas por algumas dádivas. Só assim ela se sentirá livre e segura para continuar e exercer a impulsividade que lhe pertence (2003, p 261).

Como já dito anteriormente, o desejo de poder curar torna-se presente no discurso, podendo representar não somente uma empatia concreta com o sofrimento alheio, mas também um possível movimento projetivo de seus próprios conflitos, isto é, uma busca de cura para suas próprias angústias. Percebemos que tal caminho é percorrido por essas crianças através da racionalização, ao que apontam no discurso, o desejo de se tornarem mais inteligentes, utilizando da razão para a resolução dos conflitos. Dessa maneira, podemos dizer que racionalização seria:

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PATHOS / V. Especial , Set. 2020 29