Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia Volume Especial COVID-19 | Page 17

Indivíduos resilientes podem dar um novo significado ao problema, mas não podem eliminá-lo; são capazes de superar as adversidades quando se lhe agregam o suporte social efetivo das relações micro e macrossociais, mas resiliência é um fenômeno que pode ser construído, treinado, melhorado. Seu conceito, portanto, ultrapassou a visão do fenômeno restrito ao nível individual e de suas relações, avançando para incluir o claro papel dos grupos de apoio em sua promoção. (Martins, et al., 2012, p. 142).

Freire (2014) afirma que nas relações com o mundo o maior segredo seria o poder de pertencimento e não necessariamente o de adaptação, situação essa que pode ser mais delicada envolvendo o universo infantil. Se pensarmos o lugar mais passivo e submisso que a situação de pandemia e o confinamento ofertam ao ser humano, tal obrigatoriedade de adaptação poderia gerar em alguns indivíduos, perda de senso de pertencimento do protagonismo em relação a sua própria vida.

O fato de me perceber no mundo, com o mundo e com os outros me põe numa posição em face do mundo que não é de quem nada tem a ver com ele. Afinal, minha presença no mundo não é de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da história (Freire, 2014, p. 53).

Bauman (2001), nesse sentido, aponta para a necessidade do ser humano, seja ele criança, adolescente, adulto ou idoso, em estabelecerem encontros relevantes e significativos. Podemos pensar que, em função da pandemia do COVID-19, causadora de rupturas e ausência de encontros significativos, presenciais e cotidianos, o ser humano teria a necessidade de conectar e inventar novas formas de relação, o que poderiam levar a certas filiações emergenciais.

Quando as velhas histórias de filiação (comunitária) já não soam verdadeiras ao grupo, cresce a demanda por histórias de identidade, em que dizemos a nós mesmos de onde viemos, quem somos e para onde vamos; tais histórias são urgentemente necessárias para restaurar a segurança, construir a confiança e tornar possível a interação significativa com os outros. A medida em que as velhas certezas são varridas para longe, as pessoas procuram novas filiações (BAUMAN, 2001, p. 90).

Por vezes, pensando principalmente em crianças, os recursos dessas novas filiações vão estar presentes e possíveis através do ato do brincar. Tais recursos podem ser entendidos como ferramentas que serão utilizadas pelos pequeninos na elaboração de suas angústias e conflitos.

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PATHOS / V.. Especial , Set. 2020 16