Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia Volume Especial COVID-19 | Page 50

Houve um verdadeiro desapontamento (não uma simples carência), quer dizer, houve uma perda de algo bom que foi positivo na experiência da criança até uma certa data, e que foi retirado: a retirada estendeu-se por um período maior do que aquele em que a criança pode manter viva a lembrança da experiência (WINNICOTT, 1954, p. 139 e 140).

Ao final do discurso, tais crianças são representadas pela fragilidade e pela necessidade de apoio e cuidado, o lugar de criança é retomado após o super-heroísmo vivido e a complexidade familiar e social toma corpo em um gesto de convocação, ao que dizem: “Não seja bobo, eu não tenho superpoderes, tenho 5 anos e sou apenas uma garota, não seja bobo” (sic).

Por fim, a partir da contribuição teórica e dos pequeninos aqui presentes, entendemos que o lugar de fantasia oferta a saudável possibilidade de tomar emprestado do mundo poderes mágicos, soluções mirabolantes e inesperadas, como ferramenta para a resolução de conflitos, porém não devem possuir jamais o poder de arrancar da criança o lugar que lhe é de direito, isto é, o lugar de cuidado, proteção e desenvolvimento.

CONCLUSÕES

A liberdade nos foi arrancada como sujeitos e as crianças, em especial, são a prova disso, reféns e sem tanta autonomia, em função de características óbvias, para resolverem e tomarem decisões acerca de suas próprias vidas. Como sujeitos em desenvolvimento, dependem a maior parte do tempo do outro para seguirem seus caminhos de desenvolvimento. Foram convocadas, por razões óbvias, ao isolamento e ao distanciamento social como medida protetiva. O foco de preservação gira em torno da saúde física que, com o passar do tempo, vai perdendo seu protagonismo para questões também de saúde mental.

Elucubrações e namoros com um possível desejo de retorno vão assolando a todos nós. Mas como será esse retorno quando for possível? Como diria Winnicott (1999b): “Realmente, é possível que as pessoas sintam terror da liberdade quando ela lhes é permitida após ter sido proibida” (p 238). Será que estaremos prontos e autorizados para essa retomada? O que mudou em nós? O que mudou em nossas crianças? Seria ingênuo acreditar que não seremos afetados em nosso ser e fazer após a vivência de pandemia. Não estamos nos referindo somente as questões concretas e cotidianas, mas como iremos encarar o mundo e as relações.

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PATHOS / V. Especial , Set. 2020 49