Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia Volume 12 | Page 56

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Thiago Bloss - Infelizmente a gente viu muitas pessoas que trabalham com suicídio apoiando modelos autoritários de Estado, modelos autoritários de governo. Ter, por exemplo, uma ministra que deveria ser a representante dos direitos humanos, falar que menino deve vestir azul e menina deve vestir rosa, e um ministro das relações exteriores falar que os únicos gêneros possíveis são masculino e feminino, nos leva a pensar nos possíveis efeitos destas falas em indivíduos pertencentes à estes grupos. Como ficam esses indivíduos ao verem que o Estado, que deveria ser o representante de uma certa universalidade da população, de sua garantia de existir, de sua proteção social básica, faz uma política de opressão? Estamos vivendo tempos que a gente precisa falar o óbvio. Psicologia e política são coisas que andam de mãos dadas. Deixo claro que não estou falando de partidos, estou falando, essencialmente, de jogos de poder.

A psicóloga Elis Cornejo e eu, estamos fazendo um trabalho de prevenção ao suicídio na Casa Um, em São Paulo. Para quem não sabe, a Casa Um é um espaço de acolhimento da população LGBT que foi expulsa de casa. Fazemos rodas de conversa com os profissionais da Casa. Nessas rodas, percebemos que a forma de sofrimento que essa população traz é muito carregada pela impossibilidade de ser e existir tal como quer. Sofrimento que vem da impossibilidade de ver reconhecida a sua dor, de ver reconhecida a sua negação de sua cidadania. Sofrimento que vem da impossibilidade de existir.

Ronaldo Coelho - A existência não é sozinha. Ela também depende do olhar do outro, do reconhecimento do outro. Depende de que o outro me legitime como tal. Se o outro não me legitima, sinto que não há essa legitimação. Sinto que está cerceada a minha possibilidade de existir na minha singularidade, naquilo que muitas vezes não tem muito a ver só com vontade ou desejo, do ponto de vista de escolhas que a gente faz, como, por exemplo, escolher uma camiseta para vestir. Mas, tem a ver com a condição que eu tenho de existir.

PATHOS / V. 12, n.02, 2020 55