Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia Volume 12 | Page 49

O grande ponto que vejo, que a suicidologia faz e que vem de uma tradição das ciências naturais, é simplesmente pegar um fenômeno complexo como é o suicídio e esquadrinhar ele em pequenos fatores. Como se fosse possível segmentar em fatores, pendurar esses fatores em um varalzinho de forma destacável, dessetorizada, descontextualizada. Então pega fatores psicológico, biológico, social, cultural e os enxerga como se fossem da mesma magnitude, como se pudessem ser comparados. A premissa da psicologia social é: se o homem é em si um ser social, então para conseguir compreendê-lo e compreender qualquer reação dele, é preciso voltar, necessariamente, para a sociedade, para a cultura. Esse é um recorte que a gente já parte de uma visão inversa na suicidologia. O fato de como a gente concebe o indivíduo. Normalmente, no senso comum e nas abordagens das ciências naturais, o indivíduo é concebido como aquele que nasce e conforme sua vida, ele vai se socializando. A nossa visão é extremamente oposta.

Concebemos que o indivíduo nasce essencialmente social, nasce pura socialização. Aliás, antes mesmo de nascer ele já está sendo atravessado por relações sociais, por relações culturais, por expectativas de papéis sociais específicos, por um segmento identitário, por um segmento de gênero binário específico e assim por diante. Só depois, com seu desenvolvimento, aí sim que ele vai se formando indivíduo. Entretanto, ali ele já foi atravessado por todas as formas possíveis e aí, no caso, está o recorte que eu faço, que é através da violência e da dominação. É pensar essa formação do indivíduo a partir de reações violentas e de dominação. A suicidologia perde quando vai, por exemplo, pensar o sofrimento do indivíduo, primeiro, de forma estritamente multifatorial, como se fosse possível pegar esses fatores e abstrair, assim isolados; segundo, quando vai pensar o indivíduo como uma instância intrapsíquica, fechada, encerrada em si próprio como algo hermético, que nada tem a ver com a realidade social onde ele está inserido.

PATHOS / V. 12, n.02, 2020 48

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