Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia Volume 07 | Page 95

Os resultados prometiam tornar inteligíveis a conduta das pessoas, funcionando como efeitos de verdade generalizáveis. A ciência psicológica inventa/conquista para si o poder de ordenar a realidade seguindo sua taxonomia, respondendo aos anseios modernos de controle e adequação dos sujeitos (Rose, 2011).

De certo modo, toda história da psicologia foi influenciada pela assimilação da subjetividade à noção de interioridade. Uma das consequências dessa formulação foi a tendência de segmentação dos estudos psicológicos em relação aos estudos sociais, ou seja, uma divisão disciplinar. A disciplina da psicologia tomou, assim, seu objeto de estudo, a subjetividade interiorizada, de modo desconectado em relação ao espaço social, apresentando um solipsismo desde seu nascimento oficial como ciência (Ferreira Neto, 2011, p. 54).

 

Considerando a desconexão para com o mundo social e o avanço disciplinar cartesiano das ciências psicológicas, não podemos deixar cair no esquecimento que no fim do século XIX e adentrando o XX a expertise psi esteve intrinsicamente ligada às estratégias eugenistas, colocando seu saber-poder em prol da regulação de indivíduos e populações na Alemanha nazista, na União Soviética e nos estados comunistas da Europa Oriental (Rose, 2011).

A dominação europeia, desde a colonização, tinha como argumentos ideias psicológicas e decorrentes teorias utilizadas para controlar, higienizar, diferenciar, categorizar, seja para docilizar indígenas, para moralizar comportamentos, disciplinar escolas e degenerar raças no império, para ajudar a achar o “homem certo para o trabalho certo” no período de industrialização, seja na produção de testes psicológicos no período das grandes guerras mundiais (Bock, 2003).

 A ciência psicológica como uma das garantidoras do projeto de modernidade deve ser sempre lembrada pela realização profícua de genocídios dos variados povos milenares das Américas e de África. A expansão do mundo europeu foi construída sobre a destruição de outros mundos, efetivando hoje a impressão de que somos o apogeu da evolução, a dita humanidade, a civilização moderna.

Ferreira Neto (2007), ao se debruçar sobre as práticas clínicas numa perspectiva foucaultina, afirma que a clínica desenvolvida pela psicologia, pela psicanálise e pela medicina, na maioria das vezes, deve ser entendida como práticas disciplinares, ao passo que, a possibilidade de produção de autonomia é uma exceção à regra. Até quando seremos os técnicos do desejo abraçados ao fascismo?

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PATHOS / V. 07, n.01, 2021 94