Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia Volume 07 | Page 66

A consequência é a tentativa de aniquilação social destas pessoas, que pode desencadear a perda pelo sentido de viver em um mundo cisnormativo que produz isolamento e solidão.

 

“Me afastar da família só piorou as coisas, eu sempre achei superimportante ter o “seu povo” unido, seu “clã”, sabe? Eu me empenhei bastante tentando aproximar a parentalha. Falhei miseravelmente. Mas pelo menos meus pais, minha vó e minhas irmãs eu gostaria de ter ao meu lado. Não é muito pedir que 5 pessoas te conheçam, é? A crise culminou no meu terceiro plano suicida não realizado, depois se amenizou com ajuda de uma psicóloga.” (Carlos, homem trans)

“Quando eu comecei a transição eu tinha 24, foi no finalzinho da minha faculdade.  Foi uma angústia gigante, eu passei por ideação suicida só pelo fato de pensar em contar pros meus pais. Porque eu sabia que isso ia envolver uma mudança social muito grande, ia envolver uma mudança familiar muito grande. Eles não me expulsaram de casa, não chegaram a isso, mas eles chegaram a me rechaçar bastante assim, eu sofro ainda bastante discriminação em casa.” (André, homem trans)

 

Além das experiências individuais e familiares de perda, as pessoas trans estão diariamente expostas à violência transfóbica e propensas a vivenciar lutos coletivos diante de altas taxas de assassinatos brutais de travestis, homens e mulheres trans. Esta perspectiva ainda é uma lacuna na literatura, assim como as perdas e os lutos vivenciados por pessoas trans idosas.

Esta seara é bastante específica, primeiro porque a expectativa de vida de pessoas trans é menos da metade se comparada às pessoas cis: 35 anos (Benevides e Nogueira, 2020), especialmente para as travestis e mulheres trans, que em grande parte não envelhecem, porque são assassinadas antes de atingir a terceira idade. As que conseguem envelhecer, muitas vezes sofrem preconceitos múltiplos, somados aos preconceitos do envelhecimento.

As análises de Riggs (2019), Sá (2019), Bull e D´Arrigo-Patrick (2018), Coolhart, Ritenour e Grodzinski (2018) e Riggs e Bartholomaeus (2018) concordam que uma ciência revigorada e contemporânea não pode estar à serviço da manutenção da cisheteronormatividade.

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PATHOS / V. 07, n.01, 2021 65