Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia Volume 07 | Page 65

“Porque tudo bem, eu tenho passabilidade. As pessoas na rua nem imaginam que eu sou um homem trans. Mas dentro de mim, eu sei que eu nunca vou ser como eu queria ser, porque eu não nasci homem cis. Entende o que eu tô falando? É um trabalho de entender que o gênero não define nada do que você é, mas você tem um luto de aceitar que você não vai ser um homem cis e nunca vai ser e fazer coisas que são banais pra um homem cis, tipo xixi em pé, penetração sexual, essas coisas, entende? Coisas que um homem cis teria e eu provavelmente nunca vou ter. Então, eu tenho que trabalhar comigo, na minha cabeça, de falar pra mim mesmo que provavelmente eu nunca vou ter isso ou aquilo. Esse é o meu luto.” (Mário, homem trans).

 

De uma maneira geral, passabilidade é ter uma aparência que “passe despercebida” como pessoa trans, isto é, que não seja possível identificar se a pessoa é trans ou cis. Entretanto, a questão da passabilidade é mais complexa que puramente ter uma aparência que converse com os estereótipos sociais de gênero. No país que mais mata pessoas trans no mundo, ter “passabilidade cis” (passar fisicamente por uma pessoa cisgênero) é, muitas vezes, segurança contra transfobia. Apesar de não ser uma regra, é sabido que muitas pessoas trans vivenciam a perda do convívio familiar, o que também pode ser encarado como um luto não reconhecido.

 

“Eu me sentia abandonado. Eu pastava na rua e não tinha acolhimento dentro de casa. Eu vivia muito sozinho. Não tinha ninguém pra conversar. A única pessoa que eu tinha pra conversar, era meu pai. Quando meu pai morreu, nossa, eu me senti... eu não tinha mais ninguém. Tanto é que eu fui buscar acolhimento fora, com amigos. E ainda assim, não tenho muitos.” (Marcos, homem trans).

“(...) então assim, com relação a família eu me sinto completamente só nesse processo. Tem essa parada muito forte de dificuldade com a família... eu diria que foi a pior parte da minha transição, a mais complicada, com certeza. Pior parte de todas. Nos meus amigos foi onde eu encontrei a acolhida, na minha relação amorosa, mas a família foi realmente o pior impacto assim. Eu tenho meus amigos e é isso que me sustenta, minha rede de apoio, meus amigos, como uma família pra mim.” (André, homem trans).

 

Da mesma forma, a perda de direitos como acesso à saúde, educação e trabalho podem não ser reconhecidas pela sociedade, culminando na vulnerabilização e marginalização das pessoas trans como resultado de processos sociais violentos e transfóbicos. 

 

Σ

PATHOS / V. 07, n.01, 2021 64