Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia Volume 07 | Page 64

“É um luto né, só que a pessoa tá viva. Pra você ter uma ideia, no grupo que eu faço o voluntariado, uma mãe não sabia mais o que fazer, ela realmente não estava lidando bem com a transição do filho pra filha. Sugeriram fazer uma cerimônia, com um caixão, pra ver se ela fechava esse ciclo. Eu achei um absurdo, mas... se vai ajudar a pessoa, quem sou eu pra julgar. Os pais nunca estão preparados pra algo como a transexualidade de um filho.” (Mário, homem trans).

 

”Eu vejo a minha filha e assim, ela não é uma menina mais. É um sofrimento. É sim um sofrimento, a mãe sofre pelo sofrimento da pessoa e pelo dela própria de ver tudo aquilo acontecendo.” (Teresa, mãe de um homem trans).

 

É indispensável, entretanto, pontuar que os estudiosos que se ocupam da interlocução entre gênero e os discursos de perda e luto devem ampliar seus esforços para além da visão cisheteronormativa e binária dos gêneros, relacionando criticamente os valores culturais gendrificados e normativos que reforçam a cisnormatividade ao direcionar o luto como resultado das transgeneridades e não do contexto sociocultural da cisnormatividade.

Assim, sugere-se que, quando presentes, as vivências de perda ambígua dual diante da transição de gênero não se relacionam diretamente à pessoa trans e sua identidade de gênero, mas sim ao processo de ressignificação de crenças cisheteronormativas, aos símbolos, significados, expectativas e relações formadas nas interações sociais com a pessoa antes da transição (Sá, 2019; Riggs, 2019; Bull e D’Arrigo-Patrick, 2018).

Quando pensamos as perdas sob a perspectiva de homens trans, vemos que as manifestações de luto estão presentes com mais frequência nas experiências daqueles que apresentam uma referência mais rígida e binária dos gêneros. A discussão se amplia para o âmbito das masculinidades e cisheteronormatividade, uma vez que parte do luto está relacionado ao que se espera do gênero masculino, sob uma perspectiva cisnormativa.

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PATHOS / V. 07, n.01, 2021 63