Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia Volume 07 | Page 58

Estudos recentes (Riggs, 2019; Sá, 2019; Bull e D´Arrigo-Patrick, 2018; Catalpa e McGuire, 2018; Katz-Wise et al., 2018) sugerem que a transição de gênero é um processo que envolve o sistema familiar como um todo e vivências de perda e luto são reais para alguns familiares e, às vezes, se apresenta como central na experiência. Porém, um aprofundamento teórico é necessário, para além do discurso do luto como “estágios” ou “fases” lineares a serem experienciadas, pois são diversas as possibilidades de vivência destas famílias, podendo ou não manifestar luto e experiências de perda.

A tendência binária e cisnormativa de enxergar o ser humano também está presente na literatura científica do campo das perdas e do luto, uma vez que as teorizações e pesquisas empíricas que visam compreender as interlocuções entre perdas, luto e gênero estão majoritariamente embasadas nos dois gêneros binários (feminino/masculino) vivenciados por pessoas cisgênero. Não é de hoje que estudiosos do luto buscam compreender se homens e mulheres (cis) apresentam comportamentos e vivências diferentes diante da perda.

Luto é um assunto que carece ser desmistificado. Quando ouvimos a palavra luto é comum pensar, quase que imediatamente, na palavra morte. Historicamente, somos condicionados a evitar esse tipo de conversa. Na maioria das famílias brasileiras, falar sobre morte e luto não é lá o tema ideal para um almoço de domingo. Entretanto, sabemos que nem sempre o luto está relacionado à morte de uma pessoa querida.

O luto não é um estado, mas um processo marcado por um conjunto de reações a uma perda significativa (Bromberg, 2000) e não se manifesta apenas diante da morte. Perdas simbólicas, como aposentadoria, perdas de papéis sociais, rompimento de vínculos e ausência de um objeto perdido claramente definido são apenas alguns dos exemplos de lutos não relacionados concretamente à morte.

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PATHOS / V. 07, n.01, 2021 57