Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia Volume 07 | Page 146

Por alguns dias eu havia me tornado um “justiceiro do amor” em Santa Cecília. Por alguns dias conheci e fui conversando com caras de todos os tipos no aplicativo. A curiosidade deles para saber quem era o Batman não existia. Queriam saber do corpo do Batman. Tinha de todos os tipos desde aquele que dizia apenas ali para conhecer “pessoas interessantes” para talvez relacionamento sério até aqueles que só queria uma foda. Do meu lado o que eu queria era só conversar. Saber quem eram os “caras interessantes” que haviam sido jogados como bola de boliche para destruir minha autoestima.

As conversas iam para todos os lados. E eram tratativas de fodas de todos os tipos que recebi. Demorei alguns dias para aprender o idioma dali. Há uma linguagem própria nesses aplicativos. Símbolos, emojis, que funcionam como um idioma oficial. Por exemplo, o emoji de raio significa que o cara curte cocaína; o emoji de folha seca, maconha; se a preferência no sexo é ser o ativo ou passivo, o emoji de uma berinjela ou de um pêssego, respectivamente. Se é os dois uma flechinha para cima e outra para baixo que significa “ambos caminhos são aceitos”. Há aqueles que gostam de sexo sem preservativos e colocam o emoji de gotículas de água que simboliza a gozada. Também há aqueles que gostam de corpos sujos e o emoji clássico da carinha de porco entra na jogada. Conversei com dezenas durante o período de um pouco mais de três semanas. Todos ali, vizinhos. Nunca havia visto tantas fotos de paus e bundas quanto naquele tempo. As carnes mais corriqueiras ali. As mais nobres, o rosto ou o coração, estavam em falta. Vi raros momentos. A pluralidade de desejos e formas de fantasias impressionou. Porém, o que mais impressionou foi a tentativa de passar uma imagem de desprendimento quando se estavam querendo se “prender”. A carne coração estava em falta, mas o espectro do abandono afetivo era o substrato dali.  

PATHOS / V. 07, n.01, 2021 145

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