Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia Volume 07 | Page 137

As literaturas médicas utilizam o termo “disforia” para fazerem a leitura do conflito de identificação com a sexualidade ou gênero, referindo-se à angústia causada pela “diferença” entre o que é visto no espelho e o que o indivíduo realmente se identifica. De acordo com minha prática clínica e institucional, sempre levo em consideração outro fato causador desse conflito, que é um “terceiro” apontando seus julgamentos para essa pessoa afirmando que aquela característica é a forma como ela nasceu e não seria “natural” modificá-la para ficar de acordo com a forma que ela se identifica. Isso se dá principalmente pela moral religiosa cristã, cuja mitologia diz que “Deus fez homem e mulher” e tudo que foge dessa normatividade seria “obra do diabo”. Está aí um dos grandes motivos pelo qual se torna perigoso misturar a ciência psicologia com crenças religiosas.

Um dos receios que tive durante o processo de fundação do coletivo Rainbow em 2018 foi de que essa iniciativa se tornasse uma ferramenta que segregasse a comunidade LGBTQIA+ ao invés de tornar possível sua inclusão e interação com a sociedade e servir como forma de quebrar preconceitos e paradigmas. Esse receio ocorreu por conta do lugar que a própria sociedade coloca as pessoas LGBTQIA+. Alguns dias atrás, antes de começar a escrever esse texto, ouvi uma fala de um profissional da nossa iniciativa, dizendo que as pessoas se esquecem que “ser gay não é apenas não ser heterossexual, é muito mais que isso”. Essa fala me remete a discussões feitas diariamente no trabalho com a comunidade, sobre “heteronormatividades”. Algo só se tornou heteronormativo por ter sido colocado nesse lugar pela própria população hetero cis. Por exemplo, casamento só é dito como heteronormativo pois é essa população quem diz que LGBTQIA+ não podem se casar. Aí eu me questiono, e se for escolha? Como diz o movimento feminista, lugar de mulher é onde ela quiser, peço licença para me apropriar desse termo pois ele também se aplica à comunidade LGBTQIA+.

PATHOS / V. 07, n.01, 2021 136

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