Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia Volume 07 | Page 116

Silvetty – Olha, não, graças à Deus, a gente vê tanto as pessoas falarem, né? Transfobia, LGBfobia, Gayfobia, eu, assim, é muita coisa, eu por tanto tempo trabalhando na noite, há quase 34 anos, eu nunca passei por uma situação de violência explícita. Vou dizer, teve um caso que aconteceu uma vez, que alí na Vieira de Carvalho, um dos lugares de São Paulo mais LGBT+ que existe, que é uma rua que vive gay a dar com pau (risos),  tinha uma padaria, e eu estava lá uma vez, estava com um amigo, dentro dessa padaria, conversando com um amigo meu de Araraquara e tal, aí nisso entrou uma pessoa e me deu um beijo, um selinho, pronto, nossa! A gerente, ou a dona, não sei direito, deu um escândalo: “falou aqui dentro não”. Eu fiquei sem saber o que falar. E olha que eu não sou nova, trabalho esse tempo todo na noite, e não soube o que dizer.

 

Ricardo – Isso há quanto tempo atrás, mais ou menos?

Silvetty – Uns dez anos, dez – doze, mais ou menos. Alí já era sabe, Vieira de Carvalho, Centro de São Paulo, alí a maioria dos frequentadores dela, com certeza é da cena LGBT+ e eu fiquei sem saber o que falar, meu amigo falou, não, você não pode ficar quieta, você tem que processar, aí eu fui lá, paguei a minha conta, e foi isso. (pausa) Nisso, na mesma noite, alguém ficou sabendo, eu estava fazendo um show no “Bar Queen” e teve um advogado que queria processar a padaria, na época eu disse não gente, deixa pra lá, não processei. Depois fiquei pensando se isso ocorreu comigo, imagina o quanto disso não ocorria com os outros LGBTQIA+. Tem tantas coisas que a gente vê por ai acontecendo, mas graças à Deus, eu nunca passei por outras questões de violência, ao menos explícitas, hoje em dia temos mais informação, denúncias, vídeos, mas também temos mais violência, ataques e mortes.

 

Ricardo - Você poderia falar mais um pouquinho sobre essa questão em relação às diferenças, do antes e do agora? O quê que você acha que marca essa diferença? Você falou um pouco da questão do acesso a informação, visibilidade, da internet...

 

Silvetty – Da visibilidade, da internet, eu acredito muito nisso, nós tivemos muitos artistas que passaram pela nossa cena, que ainda hoje estão como eu, como muitos que já desapareceram, já pararam, já mudaram de país, então eu digo que a internet trouxe essa visibilidade muito maior, que nem eu falo que hoje em dia nós estamos na TV, no cinema, no teatro, na casa de famílias, em eventos, que é uma época a qual eu vivi lá atrás e que não tinha nada disso, era muito mais difícil você conseguir chegar num lugar assim, não é que nem hoje. A gente não pode deixar de falar, que é o nosso nome maior nessa cena atual “Drag Queen”, que é a Pablo Vittar, ela abriu, sabe, deu oportunidade de colocar o nome fora do Brasil, entre ela vieram algumas que vêm nesse estilo dela, Drag cantora, eu acho isso muito legal, só que na nossa época, eu e algumas amigas, que somos dessa época mais antiga, a gente não teve essa oportunidade. Era mais obscuro, gueto, mas tivemos também muita visibilidade dentro do universo LGBT+, porque naquela época nós tínhamos muito mais casas noturnas LGBT. Hoje dá para contar nos dedos quantas casas têm. De show de Drag e ator transformista, que oferta essa oportunidade de trabalho e visibilidade temos apenas algumas casas noturnas como “Túnel”, “Danger”, “Blue Space” e foi, só. E São Paulo já foi a capital que mais teve casas gay, no Brasil todo, até mesmo fora do Brasil. Isso está mudando, diminuiu muito, amplia de um lado e diminui do outro, infelizmente nem todos terão oportunidades.

 

PATHOS / V. 07, n.01, 2021 115

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