Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia Volume 07 | Page 100

Circulam pelo Brasil discursos os quais afirmam categoricamente que o racismo sequer existe. Em 2018, quando se encontrava na disputa presidencial, Jair Bolsonaro diz: “Isso não pode continuar existindo. Tudo é coitadismo. Coitado do negro, coitado da mulher, coitado do gay, coitado do nordestino, coitado do piauiense. Vamos acabar com isso” (sic)2.

Podemos conduzir nosso pensamento enxergando com mais nitidez as violências repetidas e as repetidas violências sobre um heterogêneo espectro de corpos colocados à margem, empurrados para a abjeção, tornados indigentes pelo Estado brasileiro. A estrutura estatal está fundamentada numa guerra constante e sanguinária contra a diferença presente na sua população, uma vez que, quanto mais o corpo se afasta das demarcações homem-branco-cis-hétero-classe média/alta, mais marcas são produzidas pela via da violação.

Nesse ponto, Foucault (1976/2010) nos auxilia ao entender o racismo como um mecanismo de biopoder, dispositivo de ação sobre corpos e vidas, o qual produz as condições de aceitabilidade do exercício de poder direto ou indireto de tirar uma vida. O historiador Achille Mbembe (2016) se utiliza do pensamento de Foucault para pensar uma necropolítica a partir dos processos de colonização e escravidão. O autor explicita que a morte e o assassinato estavam autorizados porque os “selvagens” não se equiparariam aos colonizadores seja racionalmente seja moralmente.

A relação entre os Estados Modernos e as populações colonizadas se mostra, assim, uma necropolítica, delineia-se aqui uma evidente divisão política entre aqueles que devem viver e aqueles que devem morrer (Medeiros, 2019). Nesse sentido, ressaltamos que a necropolítica é racializada, mas não somente. Abarca, também, as experiências dos corpos/subjetividades desempregados, descartáveis, favelados, imigrantes, assim como em contextos agudos, podemos acrescentar: mulheres, gays, trans, drogaditos, esquizofrênicos etc.” (Pelbart, 2018, p.16).  

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PATHOS / V. 07 n.01, 2021 99