Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia Volume 07 | Page 59

As perdas simbólicas, ambíguas e não relacionadas à morte, estão mais frequentemente relacionadas às experiências de luto não reconhecido, tanto pela pessoa enlutada quanto pela sociedade (Casellato, 2015). Luto não reconhecido é um conceito desenvolvido por Kenneth J. Doka (2002) e vem sendo utilizado para se referir ao processo de enlutamento diante de perdas que não são consideradas socialmente como verdadeiras, reais ou não podem ser admitidas e vivenciadas abertamente.

Muitas vezes, o luto não reconhecido como resposta às perdas simbólicas é carregado de sentimentos de vergonha, culpa e autocensura como reflexo de normas sociais e, diante do fracasso do ambiente social em respeitar e acolher o enlutado, somam-se sentimentos de alienação e solidão (Casellato, 2015).

O luto está relacionado a um investimento afetivo sobre algo ou alguém, como por exemplo, expectativas e projetos sociais para um filho/filha/filhe. Soares e Mautoni (2013), nos lembram que a palavra luto (em inglês, bereavement), tem em sua raiz o significado “ser despojado de” (bereft-). Seguindo esta linha de raciocínio, despojar-se de uma ideia, uma imagem construída a respeito de uma pessoa “de determinado gênero” pode desencadear um processo de luto, afinal, na prática das interações sociais, o gênero é um dos organizadores centrais da identidade das pessoas.

Ainda que os conceitos de feminilidade e masculinidade sejam projetos em aberto, a identidade de gênero, compreensão subjetiva e autoidentificada sobre ser homem, mulher ou não-binárie3,orienta parte significativa das ações das pessoas no mundo e suas interações sociais (Souza e Junior, 2015).

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PATHOS / V. 07, n.01, 2021 58