Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 7º Volume | Page 60

Jerusalinsky (1984) destaca que o desejo que a mãe direciona ao filho está arrolado à maneira com que a falta é estabelecida nela mesma. Dessa forma, o filho desdobra na dialética do desejo da mãe “uma brecha que o significante se esforçará em recobrir na mesma hora em que sua marca desgarra mais uma região do imaginário.” (p. 12). A falta da mãe está presente na medida em que ela se posiciona como desejante, como Outro dotado de uma falta por estrutura. É assim que a mãe também transmitirá essa falta à criança, permitindo-lhe advir como sujeito desejante.

Dado o relevante papel do outro e do Outro na constituição subjetiva de uma criança, veremos, ao longo do presente trabalho, os efeitos produzidos a partir da relação entre uma criança e um outro no momento do brincar espontâneo, considerando os elementos presentes neste momento. Por meio do brincar, a criança expressa seus conteúdos inconscientes, indica a forma com que se arranja psiquicamente, como apresenta sua fantasia inconsciente, a relação com o outro e a imagem que concebe de si. O brincar é uma via de comunicação e simbolização. De acordo com Kupfer, et. al. (2009):

O brincar é uma forma de expressar, de modo livremente associativo, a fantasia inconsciente da criança. No caso de ausência completa de uma produção imaginária, o jogo da criança aparece colado à mecânica dos objetos, e não desdobra, em suas construções, uma narrativa. O brincar pode ainda aparecer sem referência ao faz-de-conta, aos limites e aos interditos. As significações podem ser aleatórias, fragmentares, mas a criança mostra uma intensa relação com o outro, contrariamente ao que ocorre nos casos de ausência de produções imaginárias. Finalmente, os desenhos e jogos de uma criança podem ser tomados como significações a serviço de uma estória, de uma narrativa ou de uma informação, e então aparecem os limites, os interditos e o caráter figurado dos personagens. Nesse caso, o brincar poderá ser uma forma de simbolização de suas dificuldades, conflitos, falhas e preocupações. (p. 55)

Acompanhar uma criança enquanto brinca, contribui à apreensão sobre os recursos que ela tem e como os emprega brincando. Podemos acompanhar como está instalada a fantasia inconsciente para a criança, se é capaz de distinguir fantasia da realidade, bem como é possível observar como interage com o outro durante o brincar e como estão presentes (ou não), no momento em que a criança brinca, outros aspectos relevantes, pois a criança explicita a imagem inconsciente que tem de seu corpo, posiciona-se diante das normas que lhe são impostas e também a maneira com que se posiciona no campo da linguagem.

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PATHOS / V. 07, n.04, 2018 59