O discurso biológico-medicalizante e a
integralidade do atendimento
Outro desafio a ser enfrentado pelos psicoterapeutas na medida socioeducativa de internação consiste no enfrentamento do discurso biológico-medicalizante ainda presente na Rede de Atenção Psicossocial. Apesar das evidentes mudanças na compreensão do processo saúde-doença ocorridas nas últimas décadas, expressas no Sistema Único de Saúde; na concepção da Atenção Básica de Saúde; na formulação da própria Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que articulam a saúde mental com os equipamentos de educação e assistência social, a busca por categorizações e patologização ainda atravessa a prática psicoterapêutica na instituição.
Entre os diversos efeitos negativos do modelo biologizante na compreensão dos casos nota-se a minimização das esferas sociais, familiares, comunitárias e políticas na produção da violência e sofrimento. Assim, torna-se imperativo que as discussões de casos ocorram sempre dentro de uma perspectiva de saúde integral, escapando das armadilhas postas pelo discurso estritamente médico e bioquímico. A captura da prática psicoterapêutica pode reforçar movimentos de exclusão dos adolescentes, assim como de não responsabilização por parte das famílias, Estado, comunidade e instituição.
A força da perspectiva biologizante se mostra ainda através da excessiva medicalização dos adolescentes em alguns centros de internação em São Paulo, chegando à metade dos internos, conforme registros de pastas de atendimento de saúde e conversas com equipes de referência. Nestes casos específicos, a lógica do controle de comportamento pela instituição revela uma maquinaria opressiva e destoante com os princípios de saúde integral, quando não, pouco atenta aos fundamentos de direitos humanos5 .