Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 6º Volume | Page 67

Mesmo que as motivações e razões alegadas sejam de índole religiosa ou “terapêutica”, acreditamos que o sentido mais profundo de todas as práticas de recepção é o de propiciar para o indivíduo uma possibilidade de “fazer sentido” de sua vida e das vicissitudes de sua existência ao longo do tempo, do nascimento à morte. Este “fazer sentido” – seja o atraso da mãe, seja a presença de um estranho (o médico, por exemplo), seja uma doença etc – se dá e é requerido em oposição aos excessos traumáticos que uma vida, mesmo a mais simples, comum e pacífica, comporta. Nestes casos e em todos os outros, fazer sentido implica estabelecer ligações, dar forma, sequência e inteligibilidade aos acontecimentos. Em outras palavras: fazer sentido equivale a constituir para o sujeito uma experiência integrada, uma experiência de integração. Tais experiências não se constituem se não puderem ser primeiramente exercidas, ensinadas e facilitadas pelos cuidados de que somos alvo. (Figueiredo, 2007, p. 15).

É possível compreender que a função do cuidado está para além da preocupação com o corpo físico ou com a formação moral, o cuidado é fundamental para que um sujeito passe a existir como ser atuante e desejante no mundo. Seja no nascimento ou na velhice, o ato de cuidar proporciona a possibilidade de dar sentido a existência.

Nas relações trazidas pelo relato de caso, é possível pensar que o AT se propõe, através da mediação, da escuta, das pontuações e da interlocução com a acompanhada, ofertar o fazer sentido mesmo diante de vivências aniquiladoras trazidas pela impotência encontrada no envelhecer e no ato de cuidar.

Sugere-se, enfim, que consideremos o “fazer sentido” em oposição às falhas, excessos e faltas traumáticas com que a vida nos desafia. A existência humana transcorre longe da perfeição, da estabilidade e da permanência. Nem há garantias nem correspondência pré-estabelecida entre nossos impulsos e desejos, de um lado, e seus objetos e condições de satisfação, de outro; nem entre aquelas forças poderosas e insistentes e nossas capacidades de domínio e autodomínio. O homem é um animal doente, como disse o filósofo, e as desproporções fazem parte essencial de nossa condição e de nossa história. A experiência das desproporções – ou desencaixe – é uma ameaça contínua de “sem-sentido” em nossas vidas. (Figueiredo, 2007, p. 15-16)

PATHOS / V. 06, n.04, 2018 66

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