Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 6º Volume | Page 64

Foto Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Cássia encontrou saídas possíveis para as dificuldades que vivia em sua persistência, como a conquista de um terreno para construir sua casa, um emprego que a possibilitou educar seus filhos da melhor maneira que poderia e sustentar um marido que, segundo ela, não gostava de trabalhar.

No decorrer das visitas, pude acompanhar parte da rotina de Cássia, que fora as sessões de fisioterapia, se resumia a passar o dia deitada na cama em frente a televisão, assistindo sempre ao mesmo canal. Quando questionada sobre o tema do programa, não sabia responder a pergunta. Diante disto, propus a Cássia que realizássemos alguma atividade juntas, e desde então já realizamos desde costura até jardinagem, tarefas as quais Cássia demonstra prazer em executar

Quando Cássia não se sente disposta para conversar ou para realizar nossas tarefas, optamos por assistir a TV ou ir até a cozinha tomar café. Ocorrem dias em que finge que está dormindo para não me receber. Sendo o cansaço uma queixa frequente em seu discurso, acredito que se tratam de pausas necessárias para descansar talvez da minha presença, talvez das angústias que vive.

Cássia conta como vive a velhice, parecendo descrever-se como refém de um corpo envelhecido e adoecido com o qual não pode mais ser independente como há alguns anos. Fala da beleza que não é mais encontrada em suas feições, de uma energia que está quase que esgotada, e da falta de ânimo para realizar qualquer tarefa.

Atendendo a demanda proposta pelo filho, observei a relação de Cássia com sua cuidadora, que durante minhas visitas, costumava falar alto, interromper o atendimento com a acompanhada para completar informações, entre outras atitudes. Com o tempo fui notando que apesar da inconveniência, Márcia tinha um papel importante, que era o de orientar Cássia quantos aos fatos que ocorriam na semana, resgatando suas memórias e pontuando situações que havia vivido junto com ela. Em nossas conversas, Márcia costumava se queixar dos conflitos familiares que Cássia vivia, demonstrando irritação com a ausência de visitas, e também criticando as formas com que os filhos da acompanhada se responsabilizavam pelos cuidados com ela.

Nos momentos em que Cássia quer descansar, aproveito para conversar com Márcia para tratar das orientações e ofertar um espaço em que possa falar dos conflitos que vive com a acompanhada e com sua família. O papel com Márcia tornou-se também o de mediar a relação entre ela, Cássia e o filho. Este último me procura eventualmente para falar de algum conflito que ocorre entre as duas, para que eu possa conversar com Márcia.

PATHOS / V. 06, n.04, 2018 63

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