Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 6º Volume | Page 37

A situação me angustiou a princípio, era algo novo, algo que não soube como lidar de início e não permiti que ele saísse. Tentei interagir com ele durante algum tempo, mas sem resultado, nenhuma palavra de Lucas.

Parti então para uma intervenção diferente, me virei de costas para o paciente. Como a sala de atendimento conta com um espelho, pude observar Lucas, enquanto estava de costas para ele. Percebo nesse momento um movimento dele, que se vira e me olha desconfiado. Levanta da cadeira e fica me olhando, junto à parede.

Depois de um tempo, me viro para ele, e pergunto quem está do outro lado, ele me responde: “Mamãe” (sic). Questiono sobre essa fala, e ele questiona, “Posso sair?” (sic). Nesse momento caberia eu levá-lo ao corredor e até indicar onde está sua mãe, para que sua angústia diminuísse, mas não o fiz. Ele então fala uma palavra ou outra, quando pergunto de sua família.

Fui orientado pela supervisora que poderia sair com ele. Nas sessões seguintes a negação do paciente à ir à sala persistiu. Não fica na sala e o acompanho por incursões nas instalações da universidade.

Um fato que chamou muita atenção no início da análise, foi que Lucas não olha no espelho, não se interessa pelo reflexo de sua imagem. O paciente com o decorrer do tempo começa a falar mais e por vezes nos engajamos em brincadeiras. Numa dessas errâncias, surge a questão que tornou-se tema central deste trabalho. Um significante que o paciente trazia frequentemente à sessão era a “Múmia”.

Discussão

Após algumas sessões com Lucas, fora formulada a hipótese diagnóstica com indícios de Psicose. Alguns traços que nos conduziram por essa estrada foram: primeiro a questão de não se interessar pelo espelho, algo comum (e necessário) em crianças dessa idade. É com o espelho que a criança constitui uma unidade, se entende enquanto algo diferente do externo (Lacan, 1949/1998). Segundo, a apatia de Lucas frente à outras pessoas, não cumprimentava, nem sequer olha nos olhos ao início da sessão

É importante lembrar-nos que a estrutura psíquica na infância não é cristalizada, isto é, como afirma Jerusalinsky (2008): “... as estruturas psicopatológicas da infância são necessariamente indecididas do ponto de vista lógico, porque elas se decidem no andar dessa inscrição, na medida em que a experiência do sujeito vai lhe confirmando a falha com que foi inscrito” (p. 141).

PATHOS / V. 06, n.04, 2018 36

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