Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 6º Volume | Page 21

Apolo contou que não conhecera seu pai, que não sabe nem ao menos o seu nome. Foi criado pela avó, uma mulher tida como “nervosa e agressiva”, porém a única pessoa que o acolheu. Seu nascimento foi resultado de um estupro. A mãe que era chamada de “irmã”, quando estava com 18 anos e havia deixado a casa dos pais para vir para a cidade grande, numa das caronas, foi vítima desse estupro. Apolo me contou que ele foi concebido quando a mãe/irmã estava com “a cabeça na lata do lixo” (sic.). Ela tentou abortar algumas vezes, mas sem sucesso. Depois disso, nunca mais esteve com homens, preferindo mulheres.

Apolo concluiu os estudos com 17 anos. Relatou gostar de estudar, que tinha o sonho de ser engenheiro, construir casas, mas precisou trabalhar e não pôde cursar a faculdade. Dos 18 aos 24 anos foi segurança em um hotel. Com 24 foi internado pela primeira vez, após ter estado por três meses isolado em seu quarto, praticamente sem se alimentar ou fazer a higiene pessoal. Naquela ocasião, como ele mesmo me contou, vivia com medo, não conseguia mais andar na rua; o único lugar em que se sentia seguro era em seu próprio quarto.

Sentia que estava sendo observado e seguido por funcionários da Apple. A mãe/avó não admitia que ele não ajudasse nas despesas da casa e o agredia com frequência. Ele não reclamava das agressões e dizia que não revidada, pois a avó era a única pessoa que o havia “aceitado” (sic.). Além disso, acreditava que ela tinha razão (ele deveria estar trabalhando). Na época esteve internado por 40 dias e continuou o uso das medicações por cerca de dois meses após a alta, porém, por considerar que a medicação o deixava impotente, interrompeu o uso.

Dos 24 aos 32 anos, fez alguns trabalhos como segurança em lojas e hotéis. Esteve casado por três anos, mas se separou. O motivo da separação foi o seu ciúme e a sua desconfiança. Acreditava que a esposa estava fazendo um complô com os funcionários da Apple para persegui-lo e, em seguida, matá-lo. Além disso, não aceitava que ela tivesse amigos ou falasse com ex-namorados. Apolo não tinha dúvidas quanto à veracidade dos fatos que me relatava.

Nos últimos anos, contou, foi perdendo os amigos, os empregos, a esposa, os sonhos. Falava-me, com frequência, de sua impotência e de como o machucava sentir que não tinha mais lugar no mundo, sentir que a sua vida “ficou no passado” (sic.). Ele dizia: “eu não tenho mais futuro, minha vida já foi, não tenho nenhuma esperança” (sic.) e, por isso, escolhia a morte.

Apolo relatou, ainda, que sua maior aflição era “não ter morada” (sic.), frase que repetia com frequência durante os atendimentos. Em uma ocasião, ele disse: “Depois de um tempo entendi que casa não seria possível. Contentei-me com hotéis. Mas nem isso eu tenho mais” (sic.).

Quando Apolo deu entrada em nosso pronto socorro, segurava fortemente sua carteira de identidade e seu currículo escolar na mão. Além disso, nos primeiros dias da internação, quando lhe foram entregues as roupas para vestir após o banho, Apolo as rasgava e picava em várias partes. A equipe de enfermagem repetia que este comportamento não seria aceito, mas o paciente seguia fazendo o mesmo com cada peça. As roupas utilizadas na enfermaria são doações, o número é reduzido e, portanto, a equipe mostrava-se inconformada com o comportamento do paciente.

PATHOS / V. 06, n.04, 2018 20

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