Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 6º Volume | Page 20

O caso Apolo

Apolo tem 32 anos, nasceu no interior de São Paulo e é filho único. É moreno, alto, tem o olhar forte e triste. Seu corpo também é forte, parece mesmo um deus.

A primeira vez que encontrei Apolo ele estava no corredor da enfermaria do hospital em que trabalho. A sua volta havia alguns técnicos de enfermagem e dois enfermeiros. Notei que ele segurava um cordão e um dos profissionais lhe pediu que entregasse o material. Ele não o fez, relatou que aquilo lhe pertencia e, por isso, não iria entregar. Os profissionais explicaram as regras do setor, mas Apolo seguiu afirmando que não iria devolver algo que era seu. Disse que já haviam lhe roubado seus documentos e seu currículo escolar e que não confiava em ninguém.

Em dado momento o paciente enrolou o cordão ao redor de seu pescoço e após a aprovação de uma das enfermeiras, um dos profissionais se aproximou e tentou tirar o cordão. Começou, então, o que terminou com o paciente contido, medicado e amarrado com seis faixas.

Apolo esteve por 21 dias em nossa enfermaria (leito psiquiátrico em hospital geral) e durante esse tempo pudemos estar juntos em alguns atendimentos. Em sua ficha de entrada no pronto socorro constava que havia chegado com o SAMU. Os bombeiros o haviam resgatado tentando se atirar de uma ponte. Tinha agarrado às mãos alguns papéis e fazia menção de pular. Após cerca de uma hora, um dos bombeiros conseguiu tirá-lo e foi trazido, então, para o hospital. Na evolução de entrada, o médico plantonista evoluiu que o paciente havia chegado bastante desorganizado, persecutório, agressivo, sem escuta, apresentando discurso confuso e delirante (dizia estar sendo perseguido por funcionários da Apple) e autocuidado prejudicado. Esteve em observação no pronto socorro por dois dias e, então, sem apresentar qualquer remissão dos sintomas, optou-se por interná-lo.

No primeiro atendimento realizado com Apolo, ele estava em seu leito, isolado, enrolado em um edredom, apesar do calor que fazia no dia. Foi receptivo a minha abordagem, mas um tanto superficial em sua fala. Mostrava-se desconfiado e assustado. Com o passar dos dias, Apolo começou a confiar mais em mim e, aos poucos, pôde compartilhar parte de sua história de vida. O vínculo foi, então, sendo estabelecido.

PATHOS / V. 06, n.04, 2018 19

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