Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 5º Volume | Page 58

PATHOS / V. 05, n.03, 2017 57

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Nesse contexto, é possível analisar os palhaços, e no presente trabalho, especificamente os que atuam em hospitais. Sob o personagem “doutor-palhaço”, este se permite através do estranhamento que provoca no outro um acesso à possibilidade de ser engraçado; o erro e a confusão que pratica quando está atuando faz com que o paciente acabe dando acesso à sua técnica humorística, receba seus diagnósticos e chistes sem sentido, e se coloque numa posição de empoderamento (Sato, Ramos, Silva, Gameiro & Scatena, 2016), relação muitas vezes inconcebível no tratamento médico em si.

Ao humor, Freud no seu artigo com o mesmo nome ([1927] 1996), salienta a característica rebelde e não resignada que o mesmo tem, além da sua qualidade nobre, elevada e digna. O humor nesse sentido é o único que produz esta elevação e nobreza, comparado ao chiste. O chiste e o humor contribuem ao cômico, sendo que o primeiro se dá através do inconsciente e o segundo através da intervenção do superego. O indivíduo utilizaria o humor para melhor lidar ante a realidade muitas vezes cruel, colocando-se momentaneamente numa posição de superioridade e elevação, como se nada realmente importasse; sua essência é poupar o gasto do sentimento e o transformar em prazer humorístico. Para o autor o mesmo indicaria uma recusa do ego em afligir-se ante as provocações da realidade, buscando ainda a obtenção do prazer; é o “triunfo do narcisismo” e “invulnerabilidade do ego” (Freud, [1927] 1996, p.100). Freud vai além, afirmando que o humor é um recurso não patológico na busca que o ego faz pela rejeição das reinvindicações da realidade e da efetivação do princípio do prazer. Há, portanto, um conforto por parte do superego ao ego intimidado ante às exigências da realidade (Freud, [1927] 1996).

Na presente pesquisa foi possível observar que os palhaços interagem com humor utilizando de diferentes meios: brinquedos, características pessoais ou dos pacientes, ou ainda através de piadas e charadas.

Os palhaços possuem brinquedos que fazem parte de sua atuação. Durante o atendimento eles usam desses brinquedos para aumentar o entrosamento com o paciente ou para ajudar em alguma piada. Também levam pequenos brinquedos, que são distribuídos após alguns atendimentos. Dos atendimentos observados em que foram utilizados esses brinquedos destaca-se uma atuação de A1, que conseguiu encerrar uma pequena discussão entre irmãos. Musa & Malerbi (2013) relacionam as técnicas lúdicas que os palhaços fazem com a diminuição, mesmo que momentânea, do medo e ansiedade do hospitalizado; o paciente ao participar deste “faz de conta” exercita sua capacidade de reinventar seu mundo, além de proporcionar divertimento e relaxamento. Há também aumento de interação entre os pacientes, visitantes e equipe; a postura do palhaço e suas brincadeiras tira o medo do ridículo, e mostra também a vulnerabilidade do ser humano.