Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 5º Volume | Page 44

PATHOS / V. 05, n.03, 2017 43

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Ao olharmos para Macabéa, percebemos sua necessidade não satisfeita de ter um lugar no mundo. Ao longo dos atendimentos, Macabéa mostrou-se voraz ao narrar sua história, trazendo uma grande quantidade de informações e um pedido claro por um sentido para o seu sofrimento. Sua fala é desorganizada, subjetiva e rápida. Nessa altura do processo, tomada pela incerteza da permanência dos cuidados oferecidos por nós, Macabéa nos parecia agitada nas sessões. Ela muda de assunto sem hesitação, tornando o acompanhamento de sua história desafiador. Macabéa não nos percebia de forma objetiva, mostrando uma qualidade subjetiva de relação – como se estivéssemos misturadas. Essa forma de nos perceber sugere um estado de indiferenciacão, como descrito por Winnicott, nos primeiros tempos de vida do bebe, que não se distingue da mãe ou do ambiente. Em seu discurso Macabéa parecia ter certeza de que tínhamos conhecimento sobre o que ela falava. Em situações como as descritas acima, era necessário o uso do toque concreto sobre sua pele para localizá-la, oferecendo-lhe contorno no tempo e no espaço, como o experimentado pelo bebê quando a mãe desempenha a tarefa do handling.

Macabéa nos demandava uma sustentação total, o holding, tarefa atribuída a mãe suficientemente boa de Winnicott. Para o estabelecimento do nosso vinculo terapêutico, era necessário que promovêssemos o sentido de confiabilidade, que se dá graças a um cuidado previsível, constante e continuo e ao sentimento de autenticidade percebido por Macabéa em nós. O manejo para esta paciente, conforme nos ilustra a teoria winnicottiana, assume a qualidade dos cuidados básicos, como são os que a mãe confere ao bebe nos tempos de dependência absoluta.

Macabéa relata que cresceu em um lar de privações na Bahia, sendo a filha do meio. Ela conta que nunca soube bem qual era o seu papel dentro da família e desde muito cedo pensava que teria nascido para sofrer. Sempre muito retraída por sentir-se pobre3 , sofrera com comentários maldosos dos colegas e por vezes fugia de casa indo para a casa de parentes e professores, sem saber bem o que buscava nessas andanças, acabava retornando sozinha para casa. Percebemos que o movimento de Macabéa nos atendimentos, acompanha o ritmo dessa busca, que não está no encontro físico com o outro, mas por um lugar no outro.

Este lugar que Macabéa buscava em nós nos atendimentos se assemelha ao olhar da mãe enquanto espelho, que tem como função validar o SELF4 do bebê, conforme descreve Winnicott, dando-lhe um sentido de realidade para que possa habitar o mundo.