Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 4º Volume | Page 58

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PATHOS / V. 04, n.02, 2016 57

O imperativo da abstinência como a negação do humano e a manifestação do perverso

Carta manifesto da Equipe da Revista Pathos perante o episódio ocorrido no Manicômio Judiciário de Franco da Rocha – SP, em outubro de 2016.

No dia 17 de outubro de 2016, dentro do popularmente conhecido Manicômio Judiciário de Franco da Rocha – SP, o imperativo da abstinência de fumar imposto aos pacientes deflagrou mais uma forma cruel de manifestação do modelo manicomial. Nesse dia uma tentativa de fuga na unidade Masculina dentro do complexo Hospitalar da unidade de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ganhou destaque nas mídias, em que tais veículos de comunicação trocam equivocadamente e perversamente o significante de pacientes em tratamento por presos em fuga.

É oportuno dizer que trata-se teoricamente de um Hospital. A palavra Hospital, do latim Hospes, traz em sua origem um olhar para o ato de hospedar, de ofertar abrigo, com raízes na assistência social, antes mesmo do que hoje se entende por um lugar de cuidado a partir do olhar da saúde e da ciência. A realidade manicomial enquanto um hospital de custódia destoa de tudo isso. O Manicômio Judiciário estaria muito mais próximo da realidade de um presídio, de uma penitenciária, do que de um lugar de assistência, cuidado e tratamento. Poderíamos também nos alongar e apresentar toda a desumanização e violência de nosso sistema prisional brasileiro, porém tal aspecto aqui não será pontualmente abordado.

Para que o leitor possa compreender melhor, os pacientes de um Manicômio Judiciário encontram-se ali reclusos com a finalidade de receber um tratamento. Esses casos, diferentes de outros tipos de internações psiquiátricas, foram encaminhados pelo judiciário, avaliados e absolvidos pelo sistema legal do ato que cometeram por serem considerados como inimputáveis por apresentarem algum tipo de transtorno mental. Na instituição os pacientes ficam reclusos, tal como em uma penitenciária, mas sem uma pena estabelecida. São as avaliações de peritos e do judiciário que determinam quando os pacientes estão aptos para o retorno ao convívio familiar e social.

Durante o conflito mencionado a mídia divulgou o fato de maneira, ao nosso ver, equivocada, causando em nós repúdio pela forma antiética que tais notícias foram veiculadas ao tratarem os pacientes como presos, dando enfoque somente à tentativa de fuga e não questionando suas motivações. Desse modo, a mídia assumiu o papel de perpetuar um fenômeno já instaurado dentro desses tipos de instituições: o não lugar dos pacientes. Ao embarcarmos nesse movimento da mídia corremos o risco de vivenciar o mito de Platão no que se refere as sombras na caverna, onde as imagens prevalecem sobre os fatos e conceitos, formando em nós opiniões por vezes superficiais, preconceituosas, injustas e equivocadas.