Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 4º Volume | Page 53

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PATHOS / V. 04, n.02, 2016 52

É possível pensar que essa conjuntura tenha favorecido uma ligação muito intensa entre a mãe e filha, formando uma dupla bastante fusionada. Logo, o pai e os demais objetos foram arrastados para essa forma de relação. Os três permaneceram fusionados e a relação que Olivia tem com eles é de domínio e consumo, ou seja, eles estão ali para atenderem as necessidades de “sua majestade” e devem estar sob seu controle onipotente. Tal fato me leva a pensar numa família que se apresenta em bloco e, portanto, se organiza a partir da filha, o que não favoreceu, ao longo do tempo, a percepção do outro como objeto separado e com existência autônoma. Isso vai de encontro com a queixa inicial dos pais quanto ao comportamento social da filha e a agressividade quando contrariada.

Olivia se apresentou na análise, por diversas vezes, vivenciando a fantasia de unicidade para com a mãe, inclusive, se agarrando a ela e entrando embaixo de sua roupa, o que me leva a pensar numa tentativa de voltar para a “barriga da mãe”, e evitar o contato comigo, sua terapeuta, que se aproximara. Pude pensar que a presença do terceiro, seja ele o pai ou qualquer outro objeto, é sentido como uma ameaça para a dupla.

Nesse sentido, Klein (1937/1996) ressalta que a presença e a relação com o pai é “modelada em parte sobre a relação com a mãe” (p. 348). Neste caso, penso que a mãe, para compensar o medo de perder a filha e a culpa que sentia pelo adoecimento dela, procurou se colocar como única fonte segura e inesgotável de gratificação. Assim, o pai ficou de fora, talvez percebido também como uma figura ameaçadora, pois ele era e é o terceiro que poderia e ainda pode separar as duas. E eu, também como terceiro, em alguns momentos fui percebida como uma ameaça à referida dupla.

O pedido dos pais para que as sessões acontecessem em sua residência não foi aceito, pois entendi que era necessário ampliar o ambiente de Olivia, ao contrário do que pediam os pais que inconscientemente desejavam manter Olívia no útero, também chamado casa. Durante as entrevistas notei uma ambivalência no discurso dos pais que, embora trouxessem a filha para as terapias indicada pelo médico, desejavam mantê-la protegida na bolha familiar. A sugestão para que os encontros se realizassem fora do setting e fora da residência me pareceu uma tentativa profícua de ampliar suas relações e seu mundo, quiçá um renascimento psíquico.