Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 4º Volume | Page 51

Σ

PATHOS / V. 04, n.02, 2016 50

Embora unidos como casal e comprometidos com a criação da filha, os pais de Olivia desfrutam pouco, ou quase nada, de momentos como marido e mulher, o que parece dificultar a manutenção da saúde do relacionamento deles.

Percebi ainda que a mãe está bastante fusionada à Olivia, enquanto o pai tenta intervir, convidando a mãe a permitir que Olivia cresça. Ele é quem insiste com a filha nos dias em que ela tem “preguiça” de vir para as sessões.

Na devolutiva do início do segundo semestre de 2015, os pais solicitaram uma alteração no modelo de atendimento. Queriam que as sessões se realizassem em domicilio para melhorar a questão do relacionamento e comportamento social.  A princípio não concordei com essa proposta, quis entender o pedido do casal. E, assim, pudemos pensar juntos no encaminhamento dos atendimentos. Então, Olivia passou a ser atendida semanalmente no consultório e uma vez por mês em lugares públicos, para que tivesse a possibilidade de interação social. No final de 2015 foram apenas duas sessões nesse novo formato, cujo relato de uma delas será apresentado a seguir.

Sessão de 06 de dezembro de 2015

Por sugestão do pai nos encontramos num shopping da região Sul de São Paulo, num domingo agitado de início do mês de dezembro. Devido ao período que antecediam as festas de Natal, o local estava bem movimentado. Assim como no nosso primeiro encontro fora do consultório, Olivia resiste à minha presença: quando me vê se esconde embaixo da blusa da mãe e permanece ali por aproximadamente dez minutos. Calmamente seus pais e eu damos sequência à conversa sem dar importância ao seu comportamento, embora eles insistam em tirá-la da ”barriga da mãe”.  A mãe falava com Olivia como se ela ainda tivesse três anos de idade.

Após um tempo que julguei suficiente para que ela se acostumasse com a minha presença, chamei sua atenção e perguntei se na barriga da mãe havia um bebê. Em seguida, afirmei que não porque quem estava ali embaixo daquela roupa já era grande e não se parecia em nada com um bebê. Aos poucos Olivia foi se soltando e mostrando o rosto. Em seguida, pulou no pescoço do pai dizendo que não queria sair de perto deles.

Novamente chamei sua atenção e falei que não conhecia aquele shopping e necessitava da sua ajuda para explorá-lo. Nesse momento Olivia já havia se soltado do pescoço do pai e se sentado ao meu lado. Aproveitei então a oportunidade e a convidei para darmos uma volta só nós duas. Ela aceita e pede para levar consigo um brinquedo parecido com um “aquapeixe” o qual ela chamou de “tempo”.

Pelo período em que estivemos juntas, Olivia se manteve ansiosa olhando para o brinquedo dizendo: O nosso tempo está acabando... Temos que andar rápido... O nosso tempo está acabando.. Então, disse a ela que percebia o quanto ela estava preocupada com o tempo e esbarro, de propósito, no brinquedo para que o “tempo” se desorganizasse. E, em seguida digo: Não é que tempo continua a passar...? e sugiro que aproveitássemos melhor nosso tempo, já que o tempo não pararia.