Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 4º Volume | Page 14

PATHOS / V. 04, n.02, 2016 13

Meu trabalho com o aluno se inicia quando o professor me pede para dar uma “olhadinha” nele. Pergunto o que está acontecendo e o professor me conta um pouco sobre suas queixas: “não aprende”, apresenta pouca ou nenhuma “evolução” em seu desenvolvimento escolar, é “agressivo”, “agitado” ou “apático”, parece estar com a “cabeça no mundo da lua”, é “desobediente”, vive “se metendo em confusão”, dá respostas ou faz colocações “fora de hora” ou “inadequadas”, “não presta atenção”, é “muito falante”, fica o tempo todo “sentado na perna”, “preguiçoso”, “não sabe nada”, “não quer fazer nada” etc. Peço ao professor para preencher um questionário que o ajudará a pensar mais sobre o aluno e me ajudará a pensar por onde começar a avaliação.

Chamo o aluno dizendo-lhe que iremos conversar, pois eu gostaria de conhecê-lo e saber um pouco mais sobre ele. Então, aquele “ser” que supostamente precisaria de uma equipe multidisciplinar, um psiquiatra ou um “exorcista” para ser “consertado”, mostra-se como uma simples criança. Seguimos até a sala do GAPEs, onde a disposição dos móveis, o mobiliário e o material de trabalho para ser utilizado para ensinar são diferentes. Os alunos chegam à minha sala e demonstram gostar do quem veem: jogos, brinquedos, mesas que possibilitam sentar em grupo, mas iremos também conversar, ao menos, a princípio. E aquele aluno que chega encaminhado pela queixa de um “nada saber” ou um “nada adequado”, mostra que tem muito a dizer. O que faço? Ouço.

Uma pergunta aqui, outra ali, sempre sobre ele. E então, terminada a conversa, o aluno volta à sala. E muitos já voltam diferentes, segundo dizem os professores. E a maneira que me recebem quando nos encontramos em qualquer outro espaço, dentro e por vezes fora da escola, é outra. A relação dele com a figura do que representa ser um professor começa a mudar a partir daquele encontro. E quanto mais o chamo para essa conversa e levo outros materiais, possibilito e oportunizo sua expressão, percebo mudanças na sua maneira de compreender e de se relacionar com o que lhe está sendo proposto e com seu modo de se colocar diante do que antes era dificuldade.

O trabalho é realizado considerando todos os envolvidos no processo de aprendizagem e desenvolvimento do aluno dentro e fora da escola: professores, equipe gestora, funcionários que têm contato direto com o aluno, família, equipamentos de saúde e psicossociais (CAPS, UBS, CRAS) e, principalmente, ele mesmo. Com o aluno, busco retomar o prazer de aprender dentro do ambiente escolar, experimentar o sucesso nesse ambiente, retomar a confiança em suas próprias habilidades, sentir-se capaz. Os atendimentos são realizados duas vezes por semana, com duração de uma hora e meia cada, no turno ou no contraturno das aulas. Por meio de jogos e brincadeiras, busco ajudá-los na aquisição e no desenvolvimento de habilidades para prosseguirem o processo de aquisição da alfabetização das letras e dos números, o que só se torna possível quando começam a se sentir capazes, pertencentes e participantes da turma, quando começam a perceber o olhar de aprovação de professores e colegas, quando ouvem palavras de incentivo da família.

Foto: Marcos Santos / USP Imagens (28/10/2014)

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