Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 3º Volume | Page 54

PATHOS / V. 03, n.02, 2016 53

É comum, nesses casos, as pessoas irem às compras, “repaginar o visual”, começar a academia, fazer uma cirurgia, trocar de carro, enfim... Somente depois de muitas desilusões é possível que se comece a pensar em procurar um espaço onde uma reflexão orientada para uma análise do que se é seja levado em consideração. A própria idéia de virilidade hoje é muito distinta daquela que se tinha na Grécia Antiga. Hoje o ideal de homem viril ocidental, o poderoso, é aquele que consegue exercer em plenitude os seus desejos; que consegue apontar em uma festa a mulher que deseja e conquistá-la; o “bom de cama”; o milionário que compra a tudo e a todos; que não precisa ser cuidadoso com os sentimentos das pessoas, podendo prescindir do afeto delas. Uma concepção de virilidade completamente oposta à que vimos vigorar no período socrático.

Quando Ortellado afirma terem os “conservadores” saído na frente, acredito que não seja apenas por conta de terem alinhado bem o discurso moral que veiculam, mas, sobretudo, de alinhá-lo a uma estética da existência que vai ao encontro desses valores estéticos. Há uma guerra que tem se travado no campo da identidade estética, de tal modo que posicionar-se a favor do impeachment tornou-se, para muitos, uma questão de posicionar-se ao lado daqueles que compartilham dos mesmos valores diante da vida. Não à toa as “manifestações-de-domingo” mostravam, como nunca antes em outros tipos de manifestações, esses valores: uma moça faz um ensaio sensual em meio à manifestação (exaltação do corpo); senhoras com jóias, bijuterias finas, champanhe e roupas de grife (ostentação em sua forma mais clássica); casais com suas babás e seus bebês (o ideal da família burguesa moderna, onde a mensagem que podemos apreender é “tenho filhos e fico somente com a parte boa da relação com eles, você também pode, é só se esforçar”); as “selfies” registravam o momento para que pudesse ser compartilhado com todos nas redes sociais, mesmo nos grupos que não eram para falar de política, pois não se tratava de política. De fato, parecia mais uma congregação daqueles que partilhavam dos mesmos valores estéticos.

O conteúdo, as idéias, o que essas pessoas sabiam ou deixavam de saber sobre política, pouco importava. Vários canais de mídia alternativa mostraram o quão rasos eram os argumentos políticos quando os manifestantes de verde-e-amarelo davam entrevistas. Diziam estarem se manifestando contra a corrupção, contra o PT e a favor do impeachment. Tirando as ideias absurdas de bolivarianismo, ditadura comunista e perda da democracia, os argumentos que não eram completamente descolados da realidade não aprofundavam o porquê de quererem as mudanças reivindicadas. Não importava o que seria feito após a queda da presidenta, por exemplo. Ninguém sabia responder a essa questão, e ainda hoje, data da escritura deste artigo, também não sabem. Estão, hoje, como meros telespectadores do espetáculo. Investimentos milionários realizados em campanha para convocar as pessoas para as manifestações mostram o quanto era necessário parecer bonito. Vídeos dentro dos padrões publicitários foram produzidos por empresas de áudio visual para tanto (Vide o link: Seu Tube, 2016).

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