Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 3º Volume | Page 52

Desde o pós-guerra, o discurso liberal tinha assumido a forma de um discurso de moderação e bom senso ao qual só podiam aspirar aqueles que tomavam os fundamentos da sociedade atual como pressuposto e tratavam as questões sociais e econômicas como prosaicos problemas de administração. Após as guerras culturais, ele retomou um caráter de ódio e desprezo de classe que trata os trabalhadores como indolentes que merecem ser punidos com a pobreza pela falta de industriosidade, capacidade de poupança e empreendedorismo. Pelos mesmos motivos, toda ação social do Estado é vista por esse discurso como complacência socialista com a incompetência e o comodismo. (ORTELLADO, 2014. p.01)

Ortellado finaliza seu texto dizendo caber àqueles que defendem os Direitos Humanos o dever de continuar fazendo a defesa dentro da guerra do discurso moral, porém jogando pelas próprias regras, e não as do ódio, da intolerância e do desprezo de classe, que são as regras adotadas pelos conservadores. Essas regras ainda não estão claras e nem bem orientadas para o grupo “da esquerda”, o que o leva a concluir que os “conservadores” saíram na frente da “guerra cultural” e que restaria aos “progressistas” o ônus do ajuste para que tenham mais chances de vitória.

Estética das manifestações

Com as concepções abordadas até aqui, recebi um convite através de uma das redes sociais da qual faço parte para um debate na Escola de Comunicações e Artes da USP sobre as manifestações que ocorreram recentemente. Infelizmente, não pude assistir ao debate nem presencialmente e nem pela transmissão on-line, mas, mesmo assim, o tema me despertou algumas reflexões. Adianto não saber se os debatedores foram na mesma direção. A chamada para o evento tinha a seguinte apresentação:

A dramaturga e roteirista Michelle Ferreira e o professor e pesquisador em Artes Cênicas Ferdinando Martins (ECA e TUSP) debatem como a adesão ao golpe por parte expressiva da classe média deve ser compreendida também por uma identidade de classe, pelo desejo estético de pertencimento a um ideal de elite, que opõe o "petralha maltrapilho" ao "coxinha arrumadinho". (ECA PELA DEMOCRACIA, 2016. p.01)

O argumento de que o estereótipo do “coxinha arrumadinho” responde a um ideal de elite é de difícil contestação. É o homem branco de classe média que conseguiu tudo o que tem pela virtude do esforço próprio, sem precisar da ajuda do Estado, que venceu na vida por mérito único e exclusivo de sua própria pessoa (como se isso realmente fosse possível). Do outro lado, o “petralha maltrapilho” figura tudo aquilo que é condenável: é o pobre, favelado, sujo, negro, fedido, suado, que vive às custas do Bolsa Família, vagabundo, maconheiro, e por aí vai. A polarização produzida, sobretudo pelos meios de comunicação e as redes sociais, possibilitou a construção dessas duas figuras emblemáticas e estereotipadas.

PATHOS / V. 03, n.02, 2016 51

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