Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 3º Volume | Page 48

PATHOS / V. 03, n.02, 2016 47

As manifestações em favor do impeachment da presidenta Dilma Rousseff que ocorreram nos anos de 2015 e 2016 traziam o discurso da ética na política e o combate à corrupção como mote para a reivindicação. No presente texto, abordaremos o tema da ética, da estética e da moral para apresentar uma análise do movimento político atual pela ideia de estética da existência.

Ética, estética e prática de si

A palavra ética tem um sentido que vai além da ideia de honestidade, como comumente é empregada. Acompanhados dos ensinamentos de Michel Foucault (1984), façamos uma breve viagem para Grécia Antiga do período Socrático. Os gregos dessa época não entendiam o homem como um indivíduo, da forma que é concebido hoje em dia. O homem antigo era, antes de tudo, um cidadão da pólis (cidade). A palavra ético vem de ethos, que significa o ser em si. Cabe um adendo etimológico: no grego há a diferença entre éthos (costume, uso, maneira de proceder, portanto, exterior) e êthos (morada habitual, toca, maneira de ser, portanto, interior). Como aqui não faremos diferenciação entre o que se é e aquilo que se mostra ser, ficaremos com a palavra ethos, que prescinde da ideia de diferenciação do eu em interior e exterior. Ético, para os gregos, então, seria aquele cidadão que poderia ser seguido em sua conduta justamente por ser quem ele é, e se todos os outros cidadãos fossem como ele a pólis certamente seria um lugar melhor para se viver. Essa é a ideia central da ética. Nesse sentido, a ética não pode ser tomada pela moral, definida como um sistema de regras e leis sociais introjetadas de modo que passam a ser o crivo de julgamento pessoal a respeito do mundo. Uma conduta ética, ao contrário, pode ser duramente atacada pela moral, e isso vemos acontecer com frequência. Um exemplo de fácil acesso pode ser encontrado na prática de certa moral cristã favorecer a perseguição de não cristãos, de homossexuais e outras pessoas que “não são de Deus”. Tal perseguição levaria à construção de um ambiente inóspito a se viver, caso todos os cidadãos resolvessem assim agir. O que vai em caminho contrário à ideia de ética aqui apresentada.

O exercício da ética, diferentemente da moral, implica numa constante disputa de poder consigo mesmo em nome de uma prática de si. Cada um de nós está em constante construção de si. Neste caminho, a ética é a morada do imprevisto. Certo e errado não estão pré-estabelecidos. São, antes, definidos por uma análise de contexto. Uma análise que irá informar se tal ação se mostra digna, se é realizada apenas em benefício próprio, ou se é a melhor que se poderia ter para o momento. Como está em constante construção, a existência é, então, tomada por sua dimensão estética. Estética diz respeito à beleza, e estética da existência é a beleza que não é do corpo, mas sim da alma, dos valores subjetivos, da maneira de se conduzir na vida. Para os gregos, a estética do corpo não estava desvinculada da estética da existência: uma pessoa só poderia ser considerada bela se seu modo de ser pudesse ser considerado belo, e só o poderia ser se fizesse o bem para a pólis. Desse modo, os éticos são aqueles que possuem uma beleza existencial que pode ser apreciada, tomada como referência, exemplo, e seguida por todos os outros. Não à toa a palavra ética está contida dentro da palavra estética.

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