Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 3º Volume | Page 49

PATHOS / V. 03, n.02, 2016 48

Organizada desse modo, tais concepções à cerca da existência levava os gregos a viverem a vida e se construírem no mundo como se fossem uma obra de arte em constante construção, cabendo a cada um a responsabilidade e a “arte” nessa construção de si.

Trata-se da construção que supõe a relação de poder consigo mesmo, não necessariamente seguindo padrões previamente determinados, mas sim uma constante análise do contexto no qual cada um se encontra para poder tomar uma decisão que esteja afinada com objetivos que se quer. Uma tomada de decisão que considere o desejo, mas que não se curve a ele como um servo submisso, e sim o tome a partir de uma complexa análise da situação presente em sua articulação com os valores que construiu durante sua vida e expectativas que tem diante do futuro. Implica, antes de tudo, pensar em: “que sujeito eu quero ser?”, “como eu gostaria que as pessoas me reconhecessem no futuro?”, “eu sentirei orgulho de mim agindo desse modo?”, “estarei em paz comigo mesmo?”, “essa decisão está de acordo com isso que quero ser e com o modo como quero ser reconhecido na sociedade?”. Trata-se de perguntas nada simples de serem respondidas e que encontram-se condensadas no famoso aforismo grego “conhece-te a ti mesmo!”.

Todos somos mutáveis em nossa condição de sujeitos. Hoje somos regidos por um conjunto de regras e valores, mas no momento seguinte podemos mudar nossas crenças e nos reconstruir diferente do que éramos antes. Ao contrário do que se possa imaginar, não há mal na mutabilidade do ser. O que seria considerado ruim é a falha ou a ausência do processo de exercício de poder consigo mesmo, o não exercício da ética. Os gregos consideravam viril aquele que conseguia agir na contramão do exercício impulsivo dos desejos. O ético deveria ser viril e, desse modo, ter o domínio sobre suas paixões (pathos). O grau de virilidade, um tipo de poder associado à sexualidade e à masculinidade, era medida a partir do domínio sobre as próprias paixões; era a característica que representava o quão forte, confiável e ético um homem pode ser. No período do qual estamos tratando, somente os homens eram considerados cidadãos, e somente os homens livres (não escravos) poderiam governar a pólis. Os gregos viviam o que muitos chamam de “democracia direta”, onde todos os cidadãos tinham o poder de se pronunciarem em relação ao que pensavam ser as melhores políticas para a pólis. Os cidadãos considerados éticos, contudo, eram os que tinham maior poder na pólis, os mais influentes, o que diziam era tomado de uma forma diferente daqueles que não eram considerados éticos.

A prática de si como estética da existência, condução ética e virilidade diante das próprias paixões, não está desvinculada da ideia de liberdade. Para os gregos, ser livre era ter o poder de governar a si mesmo, de conseguir controlar as próprias vontades. Somente um homem que tivesse pleno domínio sobre suas paixões teria condições de governar a pólis. Pois, assim, poderia governar tendo em vista o melhor a todos os cidadãos, e não para favorecer o exercício de suas vontades. O homem que não tinha pleno domínio sobre suas paixões não era considerado homem livre, e sim um homem aprisionado ao que há de mais primitivo no humano. O exercício pleno das vontades era “mal visto”, a pessoa passava a ser menosprezada e tida como um prisioneiro de si, um escravo dos próprios desejos. O exercício pleno da ética é a prática de liberdade (Foucault, 2004).

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