Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 3º Volume | Page 14

Para estes autores a incorporação não é um destino fatal mesmo quando há uma recusa do luto, uma negação da perda. A fatalidade da incorporação está no indizível da perda, na impossibilidade da narrativa, nas palavras, cenas e lágrimas que “foram postas em conserva”, “engolidas”, boca cheia de palavras que não puderam ser ditas, por serem inconfessáveis. São momentos traumáticos negados na sua condição, produzindo perdas narcísicas impossíveis de serem reconhecidas enquanto tal, que inviabilizam a introjeção - a alteração no eu e seu alargamento -, dando como destino a incorporação. Destino capaz de dar a ilusão de ter e manter o objeto, nos moldes ideais, “dando conta” da sua perda, mas não da ferida narcísica que mantém o sujeito num eterno e impossível luto dos ideais.

Abraham e Torok (1995) irão dizer que o que se recusa da realidade, o que não pode ser dito, faz erguer uma cripta, um “sepultura secreta”, onde “repousa vivo o correlato da perda”, onde repousa um segredo vergonhoso. Para estes autores, do ponto de vista metapsicológico, existe uma simetria entre a realidade do segredo e a realidade do mundo exterior sendo que a negação de uma caminha lado a lado com a recusa da outra.

O segredo é a realidade e a própria realidade, “para nós analistas”, segundo Abraham e Torok (1995) nasce da sua recusa

(...) para nós, analistas, falar de ‘realidade’ só se torna possível pela própria recusa que, no paciente, a designa como tal. Mas, nesse sentido, e apenas nesse sentido, a ‘realidade’ pode pretender o título de conceito metapsicológico. Ela se define, portanto, como o que é recusado, mascarado, denegado enquanto – precisamente – ‘realidade’, como o que é, já que ele não deve ser conhecido; numa palavra, ela se define como um segredo. O conceito metapsicológico de Realidade remete, no aparelho psíquico, ao lugar em que o segredo está escondido. (p. 238)

Esta recusa da realidade, este lugar do traumático denegado instaurador da “doença do luto”, nos remete através das palavras de Penot, a possibilidade de um segredo que antecede a história individual do sujeito. Penot (1992) no prólogo do seu livro “Figuras da recusa” apresenta uma hipótese frente à constatação da eliminação do sujeito no fenômeno da recusa, a de que:

a problemática da rejeição da realidade, em suas diversas modalidades clínicas, parece ter suas raízes na herança de uma dificuldade em dar sentido, que se conjugaria ao passado anterior, em ‘anterioridade’ a toda história individual. De sorte que o real não seria apreensível por cada um, e não poderia representar alguma coisa, senão através das primeiras figuras parentais, e do ‘discurso’ do qual estas são o suporte originário. (p. 9)

PATHOS / V. 03, n.02, 2016 13

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