Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 2º Volume | Page 6

PATHOS / V. 02, n.01, 2015 05

Por ocasião do lançamento da Revista Brasileira de Práticas Públicas e Psicopatologia – importante iniciativa a ser comemorada - ocorrido no dia 30 de maio de 2015, na II Roda Temática de Saúde Mental da FMU, tive o prazer de compor a mesa de abertura e trazer a discussão sobre a Luta Antimanicomial. Aos organizadores, meu agradecimento! Segue um pouco do que pudemos conversar naquele dia, acrescido de alguns dados recentes sobre a atenção em saúde mental em território nacional.

Maio é o mês da Luta Antimanicomial, um importante movimento social surgido no Brasil em meados dos anos 80, que tem como meta o fechamento dos manicômios e sua substituição por serviços de tratamento abertos, de base comunitária, no território de moradia do cidadão. Estas ideias têm afinidades importantes e surgiram no mesmo bojo dos movimentos pela redemocratização do país, bem como do movimento sanitário brasileiro, que deu origem ao SUS. A Constituição de 1988 garantiu uma série de direitos, duramente conquistados pelos movimentos sociais, como a volta do regime democrático e as eleições diretas. No campo da saúde, desde então contamos com um sistema de saúde público e universal, que é um direito do cidadão e um dever do estado. Apesar dos muitos desafios que o SUS ainda tem para seguir em sua implantação, que ainda não se completou em muitos lugares (a exemplo da cidade de São Paulo1), é inegável que ele representa um grande avanço na garantia do direito à saúde para todos. Antes dele, apenas trabalhadores com carteira de trabalho registrada e seus dependentes tinham direito ao atendimento pelo INPS, precário e segregativo. A parcela mais vulnerável da população, quando precisava de atendimento em saúde, ficava à mercê das caridades. Sobre o SUS, é importante lembrar que foi inspirado em dois dos mais bem-sucedidos sistemas de saúde pública do mundo: da Suécia e da Inglaterra, adaptado às necessidades e características brasileiras.

Assistimos no mundo ocidental, depois da segunda guerra mundial, e do horror do holocausto, uma crescente organização na luta por direitos humanos. No Brasil, tivemos os porões da ditadura e os horrores do manicômio, que muito se assemelhavam a campos de concentração2 . A partir da constatação desta realidade, e ligados às grandes lutas da sociedade brasileira no fim dos anos setenta, grupos de trabalhadores começaram a se reunir para transformá-la. Alguns eventos foram bastante marcantes nesse processo, como o I Congresso de Trabalhadores em Saúde Mental, em 1978, a vinda de Franco Basaglia (mentor da psiquiatria democrática italiana) e Erwing Goffmann (importante crítico das instituições totais) em 1979, e outros. O movimento foi ganhando adeptos e consistência teórica, além de experiências práticas inovadoras, inspiradas nas rupturas com a assistência psiquiátrica tradicional em outros países. Em 1987 é fundado o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, com o lema “Por uma sociedade sem manicômios”. Ao mesmo tempo, no campo da assistência, tínhamos projetos transformadores: Santos, a primeira cidade sem manicômios no Brasil (de 1989 a 1997) e seus NAPS, o CAPS Itapeva, primeiro CAPS do país, e a rede de atenção em saúde mental, enfatizando pontos de atenção básica, na gestão da Luíza Erundina em São Paulo (1989-1993).