Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 2º Volume | Page 38

PATHOS / V. 02, n.01, 2015 37

Assim, fez-se imprescindível investigar a existência de algum tipo de trabalho voltado para a sexualidade na interface com a institucionalização. Nada encontrei neste sentido, constatando, apenas, que no Regimento Interno havia a proibição de qualquer troca de carícias ou aproximação excessiva entre as adolescentes ou entre elas e os funcionários.

No tocante às relações homoafetivas, elas também não se sentiam intimidadas; ao contrário, identificavam-se como lésbicas (sapatão, no seu vocabulário usual).

É sabido que as diferenças dos papéis exercidos pelo sujeito como masculino ou feminino se fazem presentes inclusive nas relações homoafetivas, haja vista a maior discriminação sofrida pelos gays que estão associados à feminilidade. Os adolescentes do sexo masculino se escondem quando sentem atração pelo mesmo sexo ou omitem as relações furtivas, ocasionadas na/pela privação de liberdade.

Entretanto, este ‘posicionamento’ de meninas tem frequentemente caráter específico para aquele contexto – isso, se considerarmos que boa parte destas adolescentes que mantém relações homoafetivas tem preferência pelo sexo oposto. Ainda, estão em processo de formação de sua identidade e podem não ter clareza de sua orientação sexual. A privação de liberdade é, para elas, como um laboratório de experimentações motivadas pela carência afetiva, pela ausência das drogas, pela ação dos mecanismos fisiológicos e psicológicos desencadeados pelo sistema hormonal, pelas questões existenciais e por tantas outras que o afastamento do convívio social pode provocar.

De posse de observações do cotidiano institucional e das convicções construídas na minha prática profissional, busquei nas propostas de intervenção da própria Fundação fundamentos para iniciar um projeto destinado a tratar da questão da sexualidade feminina em privação de liberdade.

Não tardou para perceber que, embora existissem parâmetros legais para que a temática da sexualidade fosse abordada junto às adolescentes, as iniciativas nesta direção eram escassas assim como a literatura - especialmente na abordagem da sexualidade feminina enquanto vivência pessoal e coletiva. Os raros trabalhos que encontrei sobre o assunto focavam a questão da orientação sexual na linha da educação e da saúde, objetivando prevenção de DSTs/AIDS e da gravidez indesejada, no contexto da garantia de direitos. O trato da questão da sexualidade é ainda muito influenciado pela perspectiva social de gênero - ressalta-se nesse sentido, que em algumas instituições do país, os meninos já têm autorização para receber visitas íntimas, o que não acontece com as meninas.

Assim, fez-se imperativo a criação de um espaço coletivo de reflexão sobre a sexualidade humana - especialmente a particular - com o intuito de desenvolver o autoconhecimento, a autoestima e a construção da identidade; assim, permitiria desmistificar mitos e tabus que vêm permeando o tema historicamente. Com essa base, seria possível, então, tratar das vivências e descobertas mais íntimas dessas adolescentes, não só sobre seu corpo, mas também sobre suas relações com os outros. Nesse ínterim elas trariam à tona reflexões sobre suas dúvidas, receios, angústias, culpas, vergonhas, falsas crenças e todas as formas de desejos e de fantasias, manifestas ou não. Essa discussão poderia facilitar uma nova maneira de enfrentar as questões da sexualidade e nortear suas tomadas de decisão - de forma franca e responsável - quanto a como exercê-la, compreendendo as implicações, as imposições ou os riscos nelas inerentes.