Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 2º Volume | Page 30

PATHOS / V. 02, n.01, 2015 29

Os funcionários envolvidos no trabalho socioeducativo também estão à mercê da violência institucional. Eles sofrem pela organização de uma política da punição instalada nos procedimentos de trabalho. “Se você fizer isso vai para a corregedoria!” “Se você não fizer isso vai para a corregedoria!”. Essas frases de ordem estão imbuídas nas práticas de trabalho, fazendo com que um movimento perverso tome forma, ao passo que há exigências para se cumprir determinadas tarefas e, junto a isso, a ameaça de punição, a própria vida institucional cria obstáculos para que não se atinjam os objetivos impostos. Essa lógica punitiva também está instalada no setor psicossocial, o qual é formado por assistentes sociais e psicólogos responsáveis pelo acompanhamento dos adolescentes ao longo da Medida. A ameaça de punição, excesso de adolescentes para atendimento, a ausência de supervisão técnica que norteie os profissionais em meio aos casos, a falta de estrutura material necessária para o trabalho e as pressões do judiciário, acabam por colocar o setor numa posição análoga a uma linha de produção fabril. Nesse contexto, o aspecto quantitativo ganha corpo e a qualidade necessária para o trabalho teima em se perder.

Essa lógica perversa se estende a todos os profissionais, especialmente aos Agentes de Apoio Socioeducativo, aqueles que acompanham as rotinas e são responsáveis pela área de segurança, organização e disciplina dos adolescentes. Isso começa já na contratação desses profissionais, que ocorre por meio de concurso público, não priorizando a experiência e o adequado perfil para se trabalhar com adolescente. Espera-se, então, que haja formação para prepará-los para o trabalho, contudo, a formação se mostra insatisfatória e distante do necessário. Assim, cria-se um terreno fértil para que alguns desses sujeitos sejam absorvidos pelo sistema e passem a reproduzir em suas ações a lógica punitiva. Por vezes a violência acaba sendo o único recurso que lhes cabe para dar conta da violência com que são tratados.

Nesse ínterim, há uma tendência de todos os profissionais, inclusive os de formação superior, passarem a uma espécie de "embrutecimento", que é a construção de uma barreira em torno de si como tentativa de suportar o peso que a temática da privação de liberdade e a violência institucional causam ao sujeito. O embrutecimento o afasta do outro como ser humano, endurecendo seu olhar e o contato com esse outro, relativizando, por vezes, os mecanismos de degradação que ferem a dignidade humana. Esse fenômeno se dá pelos detalhes: fala ríspida, olhar que desconsidera a singularidade do sujeito, julgamentos morais e uma reprodução da lógica disciplinar como se a disciplina corretiva fosse o objetivo do trabalho socioeducativo.

A lógica da violência institucional perturba, faz sofrer e, por vezes, paralisa e confunde. O psicólogo também está suscetível ao mal-estar institucional. No entanto, isso não pode colocar esse profissional em lugar de vítima. Ao contrário, estar nessas entrelinhas possibilita o desmontar da lógica do embrutecimento por dentro da instituição, ao passo que o profissional pode apresentar um discurso que reconheça e respeite a alteridade do outro, assim como apresentado por Tiburi (2015):