Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 11ºb Volume | Página 61

Ronaldo Coelho - E nessa linha que você está dizendo, de não ser possível reconhecer que se sente dor física, como fica para reconhecer que existe a dor psíquica, que é essa invisível? Como fica o sofrimento, que é subjetivo e que historicamente é negligenciado? E que quando aparece a fala é essa coisa do vai lá passar roupa, vai lavar um cesto de roupa suja, vai lavar a louça que passa. Sempre colocando a dor psíquica no lugar de frescura, de ser fraqueza. De que olhar para sua dor é ser fraco. Historicamente o lugar dessa dor é negado e a possibilidade de olhar o sofrimento já é fraqueza e a fraqueza para a população negra é negada. Não pode. E isso dito por pessoas que amam umas às outras. Familiares mesmo. Pais que amam os filhos, que negam esse lugar de olhar o sofrimento. Na cabeça deles é um gesto de amor ao filho. Você não pode ser fraco. É aquela coisa que se ouve tanto, né?! Você tem que ser três vezes melhor do que uma pessoa branca para estar no mesmo nível que ela. Então nunca pode ser fraco. E, se olhar para o sofrimento já é ser fraco, então a negação do sofrimento é algo bastante possível.

Andréia Alves - Sim ela está posta, né? É preciso negligenciar, passar por cima dessa dor para conseguir seguir adiante. Mas só que ela está lá, ela está lá batendo na porta e vai crescendo, vai aumentando e de alguma forma vai sair. Seja pela via de algum transtorno psíquico, seja pela via de doenças no organismo...

Ronaldo Coelho - Ou das limitações como você disse, né? Porque dói tanto e me faz sofrer tanto, que eu nem encaro, eu me acovardo, eu acho que é assim mesmo tem que ser.

Andréia Alves – Sim, vai engolindo. É isso. É igual a história do engole o choro. Então engole a dor. Só que você vai engolir e ela vai estar lá, ela vai estar dentro de você e isso vai refletir em diversas coisas. Na autoestima, desenvolvendo sentimento de desvalia, interferindo nos diversos tipos de relacionamento, seja nas relações amoras, familiares, de amizade, de trabalho, acadêmicas. “Esse lugar não é para mim". É um sofrimento que vai se espalhando, ocupando todos os espaços da vida da pessoa.

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PATHOS / V. 11, n.01, 2020 60