Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 11ºb Volume | Page 18

Quais as diferenças entre estes atores? De que forma são recepcionados neste espaço institucional? Certamente podemos afirmar que, sem necessidade de conhecer pessoalmente este ambiente, a primeira questão pode ser respondida sem nenhum equívoco: as famílias e os(as) adolescentes são pretos e pardos, enquanto os operadores do Sistema de Justiça Juvenil da Capital paulista são brancos.

Flauzina (2006), em sua obra Corpo Negro Caído no Chão: O Sistema Penal e o Projeto Genocida do Estado Brasileiro, traz reflexões sobre a complexidade da rede que consubstancia o direito penal, e uma das mais importantes conclusões a que chegou aponta a seletividade como marca estrutural desse empreendimento. Ao observar os mecanismos seletivos que operam no sistema, é possível situá-los em dois níveis de discricionariedade decisivos: o quantitativo e o qualitativo.

No que tange ao aspecto quantitativo, as investigações apontam para a indisposição de propósitos e a impossibilidade material do sistema de gerir as práticas delituosas como um todo. Os estudiosos chegaram a essas conclusões graças à análise dos fenômenos da criminalidade de colarinho branco e da cifra oculta da criminalidade. Em relação à primeira variável, verificou-se que os delitos cometidos pelos indivíduos dos grupos hegemônicos tem uma tendência a serem imunizados, em oposição aos praticados pelos segmentos vulneráveis, que são facilmente atingidos pelo sistema penal. Em decorrência disso, as estatísticas criminais ensejam interpretações distorcidas, indicando que a criminalidade é predominante entre os segmentos marginalizados, em razão de fatores sociais, tais como a pobreza, por exemplo. As pesquisas de autodenúncia e vitimização, entretanto, revelaram que “a criminalidade não é o comportamento de uma restrita minoria, como quer uma difundida concepção [...], mas, ao contrário, o comportamento de largos estratos ou mesmo da maioria dos membros de nossa sociedade. (Flauzina, 2006, p. 23).

A autora traz ainda a reflexão de que perpassa essa seletividade a criminalização de grupos específicos da sociedade, os pobres, a exemplo do Direito Penal, que refere que nem todos os crimes ou criminosos de fato são responsabilizados, o que levaria ao colapso do sistema penal.

PATHOS / V. 11, n.01, 2020 17

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