Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 11ºa Volume | Page 65

Andréia Alves – Pois é! E como aponta a comunidade científica, vamos demorar para sair de fato da pandemia, uma vez que teremos que lidar com as consequências dela em vários âmbitos da vida individual e social. Considerando também que sair dela não significa voltar para o que era antes, para a vida que conhecíamos antes da pandemia, que o normal não será o que estávamos familiarizados, que teremos que lidar com um novo normal e que muitas profissões, muitos trabalhos, muitos ofícios terão que ser repensados e reinventados, será preciso, minimamente, dar subsídios para essas pessoas que têm menos possibilidades financeiras, menos estrutura emocional, inclusive para se reinventar.

Ronaldo Coelho - E que socialmente estão renegadas a marginalidade, estão à margem do processo. No momento em que tudo se reconfigura, historicamente uma população que foi mantida à margem, muito provavelmente permanecerá mantida à margem. Acho que esse vídeo pode ajudar a repensar essa questão, nesse momento. Acho que pode ajudar pessoas negras e pessoas que atendem pessoas negras em seus consultórios, a perceber essas dimensões do sofrimento. É importante ter essa escuta. É importante a reivindicação social desse tipo de discussão, por exemplo. De fomentar essa discussão, porque às vezes pode ficar uma ideia de "Ah estamos na pandemia, não vamos falar sobre isso, vamos falar só do vírus”. "Estamos todos no mesmo barco". Não, não estamos todos no mesmo barco!

Andréia Alves - Alguns estão em navios, outros estão em botes e outros estão à deriva, sem sequer uma boia. E voltando um pouquinho no que falei sobre muitas vezes não se ter estrutura emocional para conseguir se reinventar, queria esclarecer o que quis dizer para não parecer que não há força, porque força se tem, quanto a isso não há dúvidas. Tem uma frase da Conceição Evaristo que representa muito bem essa força: "combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”. Força nós temos, e muita, inclusive para se reinventar. Só que eu não gostaria que essa reinvenção fosse com tanto sofrimento, com tanta labuta, quanto vem sendo historicamente, desde a escravidão. E espero que possamos juntos, negros e brancos, nos reinventar. O sofrimento faz parte da vida, mas por que alguns têm que sofrer tão mais que outros?

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PATHOS / V. 11, n.01, 2020 64