Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 11ºa Volume | Page 60

Ronaldo Coelho - Pois é! Como a população negra está sendo atendida e o quanto seu sofrimento psíquico ou sua dor física estão sendo negligenciados ou não nesses ambientes?

Andréia Alves – Sim, é preciso falar, pensar e agir sobre isso. Sabe-se da importância de ter boa saúde física e mental, sobretudo nesse momento, para que não caia a imunidade. Considerando que a maioria da população pobre, com poucos recursos financeiros, é negra, é essa população que terá menos ou nenhum recurso para ter alimentação adequada. Muitos sem nenhum recurso para ter alguma alimentação, sequer. Atividade física, que tanto se fala da importância, é luxo, ainda que seja atividade para fazer em casa. Que casa? Que espaço? Em que hora? Uma vez que a prioridade, mesmo antes da pandemia, é sobreviver. E vamos pensar na saúde mental. Quantos têm condições de pagar um especialista para cuidar de sua saúde mental? E mais, quantos se permitem pensar na sua saúde mental? É preciso abrir mão de alguns gastos, de comprar e pagar algumas coisas para pagar esse especialista para ajudar na saúde mental. O lugar da saúde mental costuma ser colocado como frescura. "Não precisa". "Eu não preciso disso". Porque foi nos ensinado que o que a gente precisa é de trabalho braçal mesmo. Que para conseguir alcançar o que a gente almeja é só trabalhando desta forma. E mais, por décadas só foi possível almejar o que foi dito que seria possível que almejássemos. Porque sempre foi imposto a nós que a gente pode almejar até certo ponto, porque é o que nos cabe, dali para cima não nos cabe. Então, pensar que a gente precisa cuidar da nossa saúde mental, das nossas questões emocionais, da nossa subjetividade, é muito novo, é devagar. Estamos conseguindo realizar mobilizações e chamar mais gente para essa conversa. Bacana que você está aqui tendo essa conversa comigo, para que a gente possamos também levar essa conversa para mais pessoas e ir caminhando para mudar a estrutura da nossa sociedade. Para nós negros podermos pensar, entender, almejar ocupar outros espaços, ter outros lugares e sonhar com coisas que foram tiradas de nós. Coisas que não podíamos ter como objetivo. E hoje, após tanta luta, está sendo possível ver pessoas negras ocupando mais espaços sociais. Ainda não é tanto quanto gostaríamos, como deveria e precisaria ser, dadas as proporções em quantidade de brancos e negros no país, mas atualmente temos muito mais representatividade comparada à minha infância e adolescência, por exemplo. O fato de eu estar aqui, falando nesse canal, do lugar de professora, pedagoga, psicóloga é bastante importante. E quero dizer que é muito difícil para mim está aqui falando (risos).

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PATHOS / V. 11 n.01, 2020 59