Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 11ºa Volume | Page 59

Andréia Alves – Sim, como dividir espaço se não existe espaço? Como fazer isolamento onde não há possibilidade de isolar? Além disso, é sabido que a violência doméstica aumentou. Ficar em casa e dividir os espaços e o tempo estão juntos às preocupações do dia-a-dia, às preocupações advindas desse momento de pandemia, e tudo isso possivelmente contribuindo para aflorar os ânimos e aumentar a tensão. A violência que já existia, ainda que pouco explicitada, pode ficar potencializada devido ao aumento da tensão. E para onde correr se o espaço que deveria ser seguro, a casa, é o espaço onde acontece a violência e lá fora, seja na rua ou na casa de outras pessoas não é mais possibilidade de refúgio? E continuando a pensar a necessidade de isolamento como medida de proteção individual e coletiva e o sofrimento, confirmamos a brutal desigualdade advinda do racismo estrutural ao olhar, não somente as favelas, mas também a população carcerária e os moradores de rua, onde a maioria das pessoas é negra.

Ronaldo Coelho - Nessas situações que você vai falando, não é que não tem brancos, mas mesmo nessas situações, as pessoas que são brancas tendem a sofrer menos. Lembro de uma pesquisa de mestrado ou doutorado, não me recordo ao certo, sobre branquitude, que traz o relato de um morador de rua, branco. Ele fala que reconhece que tem privilégios, mesmo sendo morador de rua, em relação ao colega dele negro. Relata que quando entra no shopping para usar o banheiro, o segurança não vai atrás para tirá-lo, mas o colega negro sempre é retirado pelo segurança. Então diz perceber que ele pode usar o banheiro do shopping para fazer suas necessidades, mas o colega não pode.

Andréia Alves – Sim, isso mesmo. Outra que pensei agora, embora não tenha lido nada sobre neste momento de pandemia, é referente ao tratamento dado aos negros nos atendimentos. É sabido, através de estudos, que a gestante negra recebia menor dosagem de anestesia na hora do parto, porque entendia-se que a mulher negra era mais resistente a dor, ou seja, como se o corpo negro fosse menos humano. Sendo assim, me pergunto como será que está acontecendo agora? Como estão os critérios para decidir quem precisa de atendimento e quem não precisa? Quem precisa ser atendido com urgência e quem pode esperar?

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PATHOS / V. 11, n.01, 2020 58