Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 11ºa Volume | Page 37

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PATHOS / V. 11, n.01, 2020 36

Em novembro de 2016, recebemos convite para coordenar no Cursinho Popular, uma roda de conversa que acontece quinzenalmente, pois muitas questões relacionadas à identificação como negros e questões sociais surgiam durante as aulas e, os professores sentiam dificuldade para maneja-las. Iniciamos o trabalho e percebemos que o cursinho tem uma função política – uma vez que preparar alunos negros e periféricos para ingresso na universidade é um ato político – e também uma função de formação cidadã, pois nesse espaço, para além do conteúdo teórico, muitos alunos se reconheceram negros, puderam dividir experiências e se fortalecer para enfrentar a exclusão que desde muito pequenos vivem na pele. Há relatos em que dizem terem conseguido aceitar o cabelo, a cor da pele e os traços marcantes do nariz e da boca, somente após terem ingressado no cursinho.

A questão identitária é recorrente nas rodas de conversa promovidas por nós, trazendo então um conceito muito caro à psicanálise, as identificações. As rodas de conversa não se pretendem e não equivalem a uma análise, porém através de atos analíticos podemos trabalhar com os alunos estas questões. O desejo do psicanalista supõe uma queda na cadeia das identificações. No cursinho os alunos passam por um processo de se identificarem como grupo de alunos negros, o que é importante para o fortalecimento do grupo que ainda precisa, no Brasil, buscar os seus direitos, que são extremamente desiguais. Enquanto grupo que se identifica com as mesmas questões pode ficar mais fortalecido e obter mais êxito nas buscas por refeição e transporte gratuitos, por exemplo.

A psicanálise atua na direção da singularidade do sujeito e da queda das identificações, isolando os significantes que contribuem para a formação e para a estabilização dos modos de satisfação que constituem a fantasia. “O inconsciente é este lugar do discurso onde o princípio da não contradição não reina.” (Laurent, 2012). Desta forma, na roda de conversa atuamos no reconhecimento das identificações, inclusive como posição política reconhecendo a importância de uma militância estudantil negra e ao mesmo tempo pensando na queda das identificações na busca do traço de singularidade possível para cada um.