Pathos: revista brasileira de práticas públicas e psicopatologia 11ºa Volume | Page 62

Ronaldo Coelho - E nem é visto como sofrimento. Muitas vezes, nem se permite ver dessa forma. “Ah, só não é para mim e pronto". Se nega essa outra dimensão e nós psicanalistas sabemos o quanto é importante cuidar desse sofrimento, justamente para que se possa ir além.

Andréia Alves - Outra questão também muito forte é a questão do enxergar-se negro. A gente cresce entendendo que somos feios, porque é isso que dizem a nós. O nosso cabelo é feio, a nossa cor de pele é feia, os nossos trejeitos são feios... leva-se um tempo para entender-se negro, para aceitar-se negro. A gente vai se formando negro. É preciso fazer esse caminho para conseguir nos aceitar. Os homens precisam ter uma determinada virilidade, precisam corresponder à fantasia de que homem negro é viril.

Ronaldo Coelho - É o estereótipo daquela pessoa que faz o escravo da novela da Globo. Forte, grande...

Andréia Alves – Isso! É tomado por essa hipersexualização. E mais... dentre outras coisas... cabelo não pode deixar crescer, tem que raspar. Não pode mostrar porque o cabelo é crespo e quanto maior o cabelo mais mostra a negritude. A mulher tem que alisar o cabelo. É hipersexualização. Tem o estereótipo da mulata. E vai sendo colocado que o nosso lugar é esse, da hipersexualização, da hipersensualização e hiper erotização do corpo. E quanto mais você puder esconder os seus traços de negritude melhor. E só alguns lugares que te cabem. Esporte e cultura, desde que seja pela via da hipersexualização ou alguns poucos outros que sirvam para entreter, como futebol, samba... Não que sejam coisas ruins, muito pelo contrário, a gente tem que exaltar sim. No entanto, não é só esse lugar que nos cabe. E ao ser imposto que são somente esses espaços que podemos ocupar tem também aí dor e sofrimento.

Ronaldo Coelho - Você tá falando dessa coisa "Ah, você não tem cara de juiz”. “Ah, você não tem cara de médico". Ou "você não tem cara de psicanalista".

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